Sobre a profissão docente
ARTIGOPOLÍTICA
I believe the children are our future
Teach them well and let them lead the way
(Linda Creed)
Depois de estabelecido o acordo sobre a reposição do tempo congelado das carreiras dos professores[1], Portugal continua com questões para ajustar com a profissão docente: a crise da escassez de professores tem-se mantido e agravado e tudo indica que continuará essa trajetória nos próximos anos.
Com a tomada de posse do novo Governo do PSD e do CDS, houve algumas mudanças de regras em relação aos professores e à docência. Apesar de não se poder dizer que os alunos sem aulas são 90% menos do que no ano passado, é pelo menos observável que o país está a dar pequenos passos rumo a uma melhoria.
Contudo, o que se ambiciona é apenas isso: uma melhoria, uma solução temporária. Apesar de haver motivos para mais, a Aliança Democrática não tem uma visão reformista para o sistema educativo.
No início deste ano letivo, foi dada aos professores aposentados a possibilidade de retornarem à escola pública. Voltaram ao ativo 63 docentes. Certamente “de grão a grão enche a galinha o papo”, porém este número fica muito aquém da expectativa de 200 regressos do Governo[2].
Segundo uma publicação do Sindicato dos Professores do Norte, de dia 1 de dezembro, o Concurso Externo Extraordinário (uma segunda ronda de colocação de docentes) preencheu 265 de 2 308 faltas[3]. Este concurso foi aberto também a cidadãos com alguma especialização mas sem habilitação profissional para a docência, numa tentativa de aumentar o número de vagas preenchidas[4].
Sim, o Governo está a tomar algumas iniciativas que mostram proatividade, mas a situação estrutural foi-se degradando ao longo de décadas, sob o comando de sucessivos executivos. Por isso, hoje, também são precisas mudanças ao nível estrutural.
Como tem sido discutido, o cerne da questão está na insustentabilidade do balanço entre entradas e saídas da profissão. “Nos últimos quatro anos aposentaram-se 9 515 professores e formaram-se cerca de 6 000”, escreveu o Diário de Notícias em setembro[5], o que significa que o processo de renovação destes cerca de nove mil lugares não foi completado.
Apesar da urgência do problema, não há motivos para alimentarmos a expectativa de ver a taxa de formados por ano aumentar em breve.
Segundo a diretora da Pordata, a redução da procura pela profissão docente levou as faculdades, que em tempos estavam organizadas para receber e preparar para a docência milhares de estudantes, a centrarem-se no estudo das suas áreas nucleares[6]. Assim, a falta de capacidade instalada para formar (o quanto antes) os docentes necessários é um dos fatores contributivos para a situação atual.
O outro fator que faz perpetuar o problema é a fraca atratividade da profissão docente.
Antes de entrar nos pormenores do assunto, é bom lembrar que é pouco útil abrir o concurso de professores a pessoas sem profissionalização para a docência se o pacote formado pelo salário, o local de colocação e as dificuldades do trabalho não convencer as pessoas. Nós estamos numa fase em que o desemprego existente corresponde apenas ao nível de desemprego natural[7][8]. Do mesmo modo, importa não esquecer que qualquer professor atualmente no ativo pode também decidir deixar a escola.
Porém, acima de tudo, as condições atuais da docência (escolar) em Portugal dissuadem dessa carreira quem está para ingressar na faculdade, mesmo pessoas que poderiam descobrir (ou descobriram) aí a sua vocação.
Ser professor é pouco atrativo. As condições de vida dos docentes são do conhecimento geral, expostas em manifestações, greves e reivindicações, e não são boas. As remunerações são baixas; as carreiras estiveram congeladas durante anos; muitos professores, especialmente no início da carreira, estão sujeitos a serem colocados em escolas distantes de onde vivem. Além disso, as condições do dia-a-dia também são difíceis. Há seis anos, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da NOVA apresentou um estudo sobre o assunto por encomenda da Federação Nacional dos Professores (FENPROF)[9]. O estudo baseou-se em mais de 15 000 respostas de docentes a um questionário. De acordo com o documento, em 2018, apenas 23,6% dos professores não mostrava sinais de exaustão emocional e 11,6% estava em estado de “exaustão emocional muito definido” (extremo oposto). Os motivos apontados como causas deste cenário são a burocracia (isto é, tarefas administrativas que recaem sobre os professores) e a indisciplina dos alunos, sobre cuja relevância há forte concordância entre os inquiridos.
Que medidas está a tomar o Governo para resolver estes problemas? Não foi anunciado, às oito da noite, um plano de emergência para a formação de professores. Nem um pacote destinado a melhorar as suas condições de vida: envolvendo as questões da remuneração, do sistema de colocações, da carga de trabalho burocrática, dos problemas de indisciplina. Será que os decisores não acreditam realmente que se possa resolver este problema? Ou não consideram tão necessário quanto os docentes? Os docentes são quem vive a agonia de ver a situação das escolas deteriorar-se.
Entretanto, da perspetiva dos governantes, o cenário é o seguinte. Os jovens, com mais aula, menos aula, lá vão crescendo, entrando na faculdade e engrossando a “geração mais qualificada de sempre” (como se tornou chavão dizer). Os professores lá vão aguentando a profissão indecente.
Junto com alguns pais, alguns outros funcionários escolares e alguns comuns cidadãos dispersos, parecem ser os professores os únicos que acreditam que a educação (escolar) vale por si mesma.
[2]https://www.dn.pt/5687900830/governo-queria-200-professores-reformados-nas-escolas-regressam-63/
[3] https://www.spn.pt/Artigo/concurso-apoio-e-escolas-carenciadas
[4]https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/57-a-2024-887747449 (artigo 13.º)
[5]https://www.dn.pt/4651458466/falta-de-professores-pais-precisa-de-formar-mais-do-dobro-de-docentes/
[7]Há vários tipos de desemprego. Existe aquele que é desencadeado pelo ciclo económico: desemprego cíclico. Existe o desemprego que resulta do avanço tecnológico que não é acompanhado por parte da população ativa: desemprego estrutural. Existe o desemprego que decorre da época do ano, por exemplo, em lugares marcados economicamente pelo turismo de verão: desemprego sazonal. E, por fim, o desemprego que traduz os momentos de transição individuais, isto é, a busca que antecede o primeiro emprego e os períodos de troca de empregos: este é o desemprego natural.
[8]Em outubro, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, a taxa de desemprego em Portugal foi de 6,6%. O relatório desse mês sobre o desemprego está na seguinte página: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=645343036&DESTAQUESmodo=2. Na verdade, a taxa tem permanecido em valores próximos dos 6% há algum tempo e, há cerca de um ano, o então Ministro das Finanças, Fernando Medina, apelidou a situação de estado de “pleno emprego”. Tal é descrito e explicado na seguinte notícia: https://www.publico.pt/2023/09/26/economia/noticia/tantas-pessoas-empregadas-portugal-perto-pleno-emprego-2064597.
[9]Inquérito sobre Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal (INCVTE), disponível em https://www.spn.pt/Media/Default/Info/22000/700/0/0/Relat%C3%B3rio%20-%20Estudo%20sobre%20o%20desgaste%20profissional%20(2018).pdf.