25 de abril: O orgulho de ser trabalhador

Uma crónica daquilo que significou o 25 de abril de 1974 para os trabalhadores e luta sindical.

ARTIGOABRIL DE 74

Sara Oliveira

4/14/20244 min read

25 de abril é mais do que um dia no calendário do povo português: carrega a essência e identidade do que é nascer em Portugal. Marca o dia da rutura do Estado Novo, que era a figura da censura, da inibição da liberdade dos cidadãos e da promoção de injustiças materializadas em punições imorais.

Esta resistência, contudo, não se formou de um dia para o outro. Foram anos de atentados a direitos sociais e económicos, anos de aglomeração de frustração e revolta, anos de tentativas que ora falhadas, ora bem-sucedidas, de melhorar as condições que o Estado Novo sujeitava o seu povo. Entre vários movimentos que se foram orquestrando, o da classe dos trabalhadores teve uma presença bastante visível. Do coro formado pelas vozes da insurgência, a dos trabalhadores ressoava bem alto.

No período anterior a abril de 1974, era a Constituição Política da República Portuguesa, implementada em 1933, que vinculava os cidadãos e o próprio Estado. A Constituição pode-se qualificar como o diploma que tem primazia sobre qualquer outra lei interna, pelo que é inaplicável uma norma que seja contrária às suas disposições.

No artigo 37º da Constituição de 1933 vemos que as corporações reconhecidas pelo Estado podem celebrar contratos coletivos de trabalho, sendo nulos os que forem celebrados sem a sua intervenção. Este pequeno artigo é o suficiente para esboçar a postura do Estado face à vigência de direitos laborais: uma sufocante conotação intervencionista. Um Estado que já de si é parcial no que toca a conceção de liberdades individuais e laborais, oferece-se este poder de ter de reconhecer uma corporação, atribuindo-lhe, ou não, capacidade de celebrar contratos coletivos de trabalho.

Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa (CRP) implementada em 1976 que, apesar de ter sido sujeita a revisões, ainda se encontra em vigor, transparece uma posição muito distinta da anterior. O artigo 55º ressalva exatamente a independência das associações sindicais relativamente ao Estado. Neste sentido, vemos a intenção de proteção dos direitos laborais, distanciando-se ou mesmo inibindo-se de decisões que retirem autonomia merecida a estas entidades,

Antes de continuar esta exposição, peço que me desculpem a possível excessiva interpretação jurídica de um tema que é muito mais que isso. Porém, é inevitável associar uma questão de justiça social com as constitucionalidades vigentes.

Por outro lado, a classe dos trabalhadores e o seu movimento de revolta é indissociável da palavra “greve”. A greve incorporou o símbolo da frustração e insatisfação com as condições laborais precárias. O repúdio dos reduzidos salários que não refletiam o esforço do trabalho diário.

Os protestos a partir de 1969 foram aumentando, abrangendo diferentes áreas profissionais e de ofícios.

A 5 de janeiro de 1971 foi emitido um comunicado pela PIDE-DGS que informava que o julgamento por tentativa de greve de 13 funcionários da Carris, em Lisboa, se ia iniciar. Em novembro de 1972, a Comissão de trabalhadores da Carris emite um comunicado em que apelava ao movimento de greve, reivindicando os seus direitos laborais.

1973 ficou marcado com vários protestos orquestrada pelos bancários, que discordavam das contraproposta apresentadas para revisão do contrato coletivo de trabalho. Estes protestos foram, posteriormente, reprimidos pela Polícia de Choque. O Diário de Lisboa de 19 de junho de 1973 narra a situação expondo que “as muitas pessoas atingidas durante os incidentes, algumas tiveram de receber assistência clínica, mas não foi revelado o seu número nem as suas identidades”.

Por sua vez, a 1 de maio de 1973 realizaram-se várias manifestações, contrariamente às ordens emitidas. No Porto e em Lisboa, os cidadãos ocuparam as ruas, sendo este movimento interrompido pelas forças policiais e por ordens de dispersão.

Estes três movimentos são uma pequena amostra do registo do período anterior a 25 de abril de 1974. Pelo exposto, o direito à greve não era uma realidade material, pelo que a intervenção policial poderia ser quase que considerada uma condição necessária para a ocorrência de uma manifestação. Relatam-se abusos, atos de censura e desincentivo à liberdade.

Porém, a luta continuou, a coragem cresceu e a vontade de liberdade não se deixou ofuscar pelas tentativas de opressão e ameaças de abuso de poder.

O povo português, na sua história, é resiliente e sempre foi. O orgulho com que se relata os eventos desse dia e a evolução que se alcançou apenas nos assiste a nós portugueses. O reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais, sociais e económicos, como são concebidos agora, nunca será uma pequena vitória.

Como referido, os 50 anos não podem passar impunes, e apesar das grandes vitórias, sinto que o direito à liberdade tem sido dado como garantido. Apesar de ser algo naturalmente atribuído, o esforço que se fez para o alcançar não pode ser esquecido.

O grande problema da História é que é isso mesmo: história. Para quem a viveu carrega um indiscritível significado; para quem a ouve, facilmente poderá passar como uma mera narrativa, um conto encantado.

Neste sentido, concluo este artigo apelando para a necessidade de lembrar as dificuldades e obstáculos que tiveram de ser ultrapassados para assegurar os direitos e liberdade que facilmente nos são reconhecidos atualmente. Não num sentido rancoroso de sofrer com o que já passou, mas reservando uma memória consciente.