A Desconstrução do Retrato Político Português
Uma análise das alterações recentes no panorama político português.
ARTIGOPOLÍTICA
Estamos a meros dias de se iniciarem os debates televisivos para as Eleições Legislativas de 10 de março de 2024 e, não obstante a relevância destes para a definição do voto de muitos eleitores, já existe uma perceção (parcialmente nítida) dos possíveis resultados ou, pelo menos, das alterações estruturais que existirão.
As sondagens mais recentes indicam a concretização de uma desconstrução fundamental do sistema político português – a solidificação de 3 blocos de poder em vez de 2. A esquerda clássica - maioritariamente representada pelo PS - e a direita clássica - maioritariamente representada pelo PSD – partilharão assim o palco com uma terceira força em ascensão apressada e bastante mais ruidosa.
Neste sentido, cada bloco definiu uma estratégia diferente para estas eleições.
O PS pretende demarcar-se dos outros apresentando-se como o único partido “fazedor” e que funciona simultaneamente como a última barreira na defesa de uma democracia sem radicalismos. Contudo, sugere como solução política uma geringonça 2.0 que deverá passar por uma coligação pós-eleitoral com todos os outros partidos de esquerda enquanto é simultaneamente assombrado pelos casos que fizeram cair o Governo.
O PSD apresenta-se como uma solução governativa longe do caos dos casos e casinhos da esquerda e do reativismo populista sem ideologia do Chega. Ainda assim, não parece estar a conseguir destacar-se o suficiente dos outros para confirmar a confiança dos portugueses que, entretanto, foi certamente abalada pelo que se sucedeu na Madeira.
Já o Chega tenta colocar-se do lado de (quase) todos aqueles que estão de uma forma ou de outra a sofrer ou revoltados com os problemas causados e/ ou não resolvidos pelo regime vigente, tentando afirmar-se como uma alternativa diferente sem que nunca demonstre uma visão concreta ou possível de futuro para o país que não seja de reativismo ou radicalismo.
O que acaba por ser irónico nas democracias é que se há uma forte dispersão do voto por diferentes blocos, então nenhum destes consegue governar sem o outro. Esta é uma ideia que tem por base uma compatibilização de interesses de diferentes partes da sociedade, o que, abstratamente, é positivo.
No entanto, se tanto uma parte significativa do eleitorado como os restantes líderes partidários consideram que uma das forças não pretende lutar pelos princípios base da democracia ou defender a melhoria das condições de vida de toda a população, a cedência torna-se impraticável e os restantes partidos criam um “cordão sanitário” à volta deste bloco. Mas não será precisamente aí, isolado pelos partidos “do sistema”, que este bloco mais cresce e não será daí que pode criticar o sistema sem nunca ter de apresentar uma solução credível?
Coloca-se então a questão destas eleições: quem vai ceder, o quê e a quem?
Faço ainda uma menção especial para as eleições regionais nos Açores que se realizam no dia 4 de fevereiro e que, independentemente de serem indiscutivelmente diferentes das legislativas, são indissociáveis dada a sua proximidade temporal.
As sondagens mais recentes indicam que os resultados destas eleições regionais (que também se sucederam devido a uma dissolução do Parlamento, neste caso, o açoriano) permitirão à AD formar governo se fizer um acordo novamente com o Chega, ainda que o PS lidere as intenções de voto.
Reforçando a inegável diferença entre as eleições regionais e as legislativas, a nível nacional o mote do Partido Social Democrata em relação a uma coligação pós-eleitoral com o Chega continua a ser “Não é não!”.