A Literacia Financeira e a Relutância do Estado: O Caminho para a Liberdade
ARTIGOCULTURA
A literacia financeira representa a liberdade e capacidade de cada indivíduo tomar decisões informadas e responsáveis sobre o seu dinheiro, pressupondo prévia aquisição de conhecimentos financeiros. Esta competência proporciona uma maior independência financeira, que, consequentemente, se reflete na capacidade de gerir o dinheiro de acordo com os objetivos de cada um. Assim, este conceito traduz-se não só na liberdade de cada indivíduo determinar como utilizar o seu dinheiro, mas também na responsabilidade de o fazer de forma consciente e esclarecida.
É indiscutível que o dinheiro, de forma geral, representa um elemento central na vida de todos os indivíduos, no entanto, a capacidade de escolher como o gerir não está ao alcance de todos. Lamentavelmente, esta capacidade está restrita àqueles com formação na área financeira, ou àqueles que, movidos pela necessidade, procuram adquirir conhecimentos nesta matéria. O que explica dados alarmantes, como o nível de endividamento das famílias portuguesas, que chegaram a registar valores próximos de 130% do rendimento disponível, entre 2005 e 2008. Este cenário refletia a falta de educação financeira que marcou as gerações anteriores, nomeadamente na capacidade das famílias tomarem decisões informadas sobre os seus rendimentos, gastos e dívidas. Adicionalmente, além de não existir educação sobre estes temas, vivia-se uma cultura de crédito fácil e consumo imediato, o que acentuou ainda mais este problema.
Atualmente, apesar da educação financeira ser obrigatória desde 2018, no âmbito da disciplina Cidadania e Desenvolvimento no 2.º e 3.º ciclo de escolaridade, os alunos ainda não se encontram numa situação satisfatória de conhecimento nesta área. De acordo com o ranking PISA1 de 2022, realizado a cada três anos, os alunos portugueses diminuíram o seu conhecimento na área face a 2018, queda esta superior à verificada na média dos países da OCDE2. Apesar do desempenho médio dos estudantes portugueses estar próximo da média da OCDE, esta queda é motivo de preocupação e exige uma análise cuidadosa das políticas em vigor.
Neste sentido, é fundamental questionar as medidas em vigor desde 2018 e, principalmente, a forma como a temática tem sido abordada nas escolas. É certo que os efeitos práticos destas medidas ainda não podem ser verificados, mas avaliações como a referida apontam para os seus reduzidos frutos. Como é óbvio, a simples introdução da temática na disciplina de Cidadania não é por si só solução, se não se verificar um compromisso sério. Por isso, quando o atual governo anunciou uma revisão da disciplina de cidadania, seria desejável que o foco estivesse na mudança da abordagem de ensino dessas temáticas, e não por uma questão mesquinha e ideológica.
É inaceitável que, apesar de iniciativas de promoção de formações, nem todos os professores que abordam esta temática tão particular, tenham uma formação específica na área financeira. Isto resulta num aprofundamento da matéria diferente conforme o nível de instrução dos professores, o que não se traduz de forma justa para os alunos. É ainda lamentável tratar o ensino na área financeira de forma tão superficial e não como um contínuo que culmine com aprendizagens práticas, relevantes e inevitáveis para a vida adulta.
Ao analisar o ranking PISA, é também alarmante a disparidade de desempenho entre alunos de diferentes contextos socioeconómicos, refletindo uma necessidade de políticas educativas que promovam a equidade. Não é apenas essencial integrar a literacia financeira na escolaridade obrigatória, mas também garantir que todos os alunos tenham acesso a uma educação de qualidade. Isto envolve também fornecer recursos e apoio adicional às escolas de áreas mais desfavorecidas, assim como formação adequada aos professores e envolver as famílias no processo de aprendizagem financeira, para que possam apoiar o desenvolvimento dos filhos e contribuir para a redução das desigualdades sociais no longo prazo.
Ensinar sobre finanças pessoais significa entregar as ferramentas necessárias para que cada indivíduo tome decisões de forma informada e autónoma, concedendo, desse modo, liberdade a todos. Em contrapartida, esta autonomia diminui a sua dependência em relação ao Estado. Aparentemente, motivo pelo qual, ano após ano, as propostas relativas à literacia financeira não veem a luz do dia, já que existe resistência em implementar mudanças que possam reduzir a dependência do sistema público. Ainda em janeiro deste ano uma proposta referente à literacia financeira no âmbito escolar foi chumbada pela esquerda, reforçando a perceção de que há um interesse em manter a população numa posição de desconhecimento, quase incapaz de julgar as suas lacunas económicas para benefício próprio.
Na verdade, a preferência do Estado por manter a população numa posição de vulnerabilidade e desconhecimento é contraditório com o facto da literacia financeira ser uma questão de responsabilidade coletiva, que deveria ser defendida a todos os níveis da sociedade e garantida pelo próprio Estado. Ignorar a importância da educação financeira é perpetuar um ciclo de dependência e fragilidade social, quando o objetivo deveria ser a capacitação dos cidadãos para enfrentar desafios económicos.
Iniciativas como a da Fundação Dr. António Cupertino de Miranda e a recente inclusão da literacia financeira como temática nas escolas do Município do Porto trazem alento para um futuro mais informado e livre, a nível financeiro. O Projeto de Educação Financeira da Fundação Dr. António Cupertino de Miranda procura ensinar, quantificar o nível de literacia financeira dos alunos envolvidos e medir o impacto dos seus programas. Os alunos que participam em programas de educação financeira desenvolvem uma compreensão mais sólida de conceitos como poupança, gestão de orçamento, e outras práticas financeiras essenciais. No caso do Município do Porto que anunciou recentemente a inclusão de literacia financeira nos programas escolares, a medida visa combater a falta de conhecimento financeiro e preparar os jovens para os desafios económicos futuros. O que reflete um compromisso real, mas também denuncia a falta de eficácia da abordagem deste tema na disciplina de Cidadania.
Infelizmente, é comum, depois de terminado o ensino obrigatório, sentirmos que nos faltou adquirir conhecimentos com implicação prática na nossa vida adulta. Sem nos apercebermos, acabamos por reconhecer esta grande lacuna de conhecimento financeiro. Como vimos, o município do Porto tem feito esforços consideráveis para melhorar a literacia financeira dos jovens, no entanto, torna-se impossível não nos questionarmos: Porque não expandir estas iniciativas a nível nacional? Será, de facto, conveniente ao Estado manter os cidadãos numa posição de ignorância? Devemos ser complacentes com esta situação? Esta reflexão é necessária e não se restringe a um tema financeiro, alastra-se à própria dimensão da liberdade.
Volvidos 50 anos desde o Dia da Liberdade, os Portugueses ainda não são verdadeiramente livres. Isto porque, a liberdade, enquanto conceito, engloba inúmeras dimensões, nas quais se inclui a económica. Deste modo, a liberdade financeira é essencial, mas apenas será possível com uma aposta coletiva e séria na literacia financeira.
1 - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
2 - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico