O Campeonato das Legislativas
Uma interpretação das performances
ARTIGOPOLÍTICA
Todos nós, ao longo da vida, já nos encontramos em inúmeras situações onde tivemos que interpretar coisas: mensagens, textos, autores, etc. E há um autor muito específico que, de vez em quando, lança uma obra nova, que nos leva a, claro está, fazer esse exercício de interpretação. Esse autor é o povo português, que se expressa quando vai a eleições. A questão é que, habitualmente, o povo português parece ser “fanhoso”, uma vez que aquilo que diz é alvo de inúmeras interpretações; contudo, nestas eleições legislativas, a sua mensagem foi clara como a água.
Decorreram, no dia 30 de janeiro, as eleições legislativas, e estas deram uma maioria absoluta ao Partido Socialista, que elegeu, até à data, 118 deputados - faltando ainda apurar os resultados do círculo da Europa - e, como tal, o seu líder, António Costa, foi indigitado Primeiro-Ministro pelo Presidente da República, estando agora responsável por formar o XXIII Governo Constitucional.
Contudo, apesar de esse ter sido o maior destaque da noite eleitoral, podemos identificar vencedores, derrotados, “nim’s” e até um “enterro”.
De entre os partidos que se apresentaram a eleições, o Partido Socialista de António Costa foi, obviamente, o primeiro vencedor. Depois de uma campanha eleitoral de avanços e recuos, como é apanágio das campanhas eleitorais socialistas na era António Costa, a alegada retórica que saiu vencedora foi a de que o PS foi “traído” pelos parceiros de geringonça, que“vinha aí o fascismo” – haja uma eleição em que não venha o fascismo, aí é que seria surpreendente – e, acima de tudo, que o voto útil à esquerda seria no Partido Socialista e que mais nenhum partido “nos livraria da direita”, como disse no debate com Rui Tavares. Resultado: uma maioria absoluta, uma previsível governação tranquila durante 4 anos e uma oração que é feita neste momento por todos os portugueses para que não aconteça o mesmo que aconteceu na última maioria absoluta do PS.
Encontramos, também, neste grupo, a Iniciativa Liberal. Sob o mantra “Portugal a Crescer” e com a enigmática frase “O liberalismo funciona e faz falta a Portugal”, a IL foi também uma vencedora destas eleições. Se estivéssemos numa corrida de Fórmula 1, tinha feito dos melhores tempos nos treinos livres – com a performance de João Cotrim Figueiredo nos debates – e fez uma qualificação sólida, uma vez que as ideias apresentadas pelo partido foram as que dominaram a campanha. Tendo em conta este retrospeto, a única coisa que poderia correr mal seria uma mobilização do voto útil no PSD – ainda que o partido fundando em 2017 tivesse sido o único a apresentar os seus objetivos de uma forma objetiva: 4,5% e 5 deputados. Conclusão: 4ª força política (à frente dos seus “amigos” do Bloco de Esquerda), 5% dos votos e a eleição de 8 deputados, incluindo uma deputada (Joana Cordeiro) por Setúbal, círculo eleitoral historicamente afeto a partidos mais à esquerda.
Por fim, também no grupo dos vencedores, encontramos o Chega. O partido unipessoal de André Ventura deixou de o ser; resta saber se agora vai seguir como sendo uma sociedade por quotas – em que a quota mais pequena é mesmo a de género (entre 12 deputados, apenas uma mulher: Rita Matias) – ou se vai ser uma sociedade anónima, em que, no desenrolar da legislatura, deixemos de saber se existe uma identidade ou ideologia no partido, uma vez que a probabilidade de cada deputado acabar para o seu lado é muito alta. Ainda assim, não deixa de ser louvável, mesmo com uma campanha muito pouco empolgante, que o partido fundado em 2019 tenha conseguido maior número de deputados do que páginas de programa eleitoral.
Passando, agora, para os “nim’s”, isto é, para os partidos que apenas corresponderam com as expetativas, sem terem nenhuma surpresa nem terem ficado abaixo quer das próprias ambições quer das da opinião pública. Podemos apontar um, ou melhor, dois nomes – uma vez que um se resume ao outro: o Livre e Rui Tavares.
Se me dessem oportunidade de escrever uma frase lapidar para Rui Tavares antes das eleições, essa frase seria “Mereceu ser eleito”. E de facto, agora sim já depois das eleições, mereceu ser eleito, uma vez que ele e o seu partido trouxeram ideias novas à esquerda para o debate político, ideias essas relacionadas, por exemplo, com a pobreza energética. Entra no capítulo do “nim” por uma razão muito simples: manteve a eleição de um deputado e beneficiou, para tal, de ter tido direito – como tinha, inegavelmente – a debater junto dos demais partidos com assento parlamentar.
Por fim, cabe olhar para a coluna dos derrotados, incluindo o “enterro” da noite eleitoral.
Confesso que tenho algumas dificuldades em definir qual tenha sido efetivamente o principal derrotado, mas, tendo em conta o burburinho que se foi desenrolando ao longo de toda a campanha eleitoral, esse estatuto tem que ficar entregue ao PSD e a Rui Rio. Poder-se-ia alegar que, e de certa forma ironicamente, o culpado de tal acontecimento foram as sondagens; contudo, a análise a fazer é mais profunda ainda. A campanha eleitoral dos sociais-democratas foi de facto muito forte, tendo criado a real sensação de que a vitória laranja poderia ser uma realidade. Porém, duas semanas de campanha não apagam dois anos de oposição inexistente, o fim dos debates quinzenais na Assembleia da República, a falta de qualidade dos que acompanham Rui Rio, a campanha feita por este pela possibilidade de um bloco central, entre outros. Adivinham-se tempos conturbados para o dono do gato Zé Albino – que, aliás, já anunciou que sairá da liderança do PSD, não se recandidatando –, bem como para o partido fundado por Francisco Sá Carneiro, que se encontra numa crise ainda mais profunda, depois de mais um falhanço eleitoral.
Outro dos grandes derrotados da noite foi o Bloco de Esquerda. Depois de já terem sido “castigados” – não diretamente, mas através da candidata apoiada pelo partido nas últimas eleições presidenciais, Marisa Matias – pelo voto contra no Orçamento de Estado para 2021, foi dada uma machadada ainda maior nas eleições legislativas de 2022, o que de certa forma se compreende, uma vez que o BE optou por fazer campanha...pela Iniciativa Liberal. Fica aqui, contudo, uma sugestão de marketing sustentável: os conhecidos flyers, que correram as redes sociais, podem perfeitamente ser reutilizados, apenas é necessário substituir a frase “Porque é que o liberais te perseguem?” por “Porque é que os liberais nos ultrapassaram?”.
A CDU entrou, também, no lote dos derrotados destas eleições, o que até é fora do comum, uma vez que estes raramente perdem uma eleição. Foram igualmente vítimas da retórica “criaram uma crise política no meio de uma crise sanitária, económica e social”; resultado: passaram de 12 para 6 deputados, tendo perdido a eleição do líder da bancada parlamentar comunista, João Oliveira – que, em substituição de Jerónimo de Sousa, teve uma performance mediática de alto gabarito, colocando-o claramente na linha da frente da sucessão para o cargo de Secretário-Geral do PCP, possivelmente até à frente de João Ferreira –, bem como, ao final de praticamente 30 anos, a representação parlamentar do segundo partido desta coligação, o Partido Ecologista “Os Verdes” – paz à sua alma. Seguir-se-á, como é apanágio do PCP, um forte apoio à luta sindical, que voltou a ganhar força no Comité Central do partido, uma vez que o “setor” autárquico tem vindo a perder força, muito também por conta da ex-geringonça. A luta certamente continuará, principalmente quando o povo sai à rua.
Este lote inclui também o PAN. O partido já foi sofrendo alguns revés ao longo da meia legislatura que passou, desde dissidências de deputados (incluindo o eurodeputado) até à saída do seu porta-voz e primeiro deputado eleito, André Silva. Ora, desde então, o partido, seguindo a sua matriz animalista, tornou-se uma autêntica “luta de cães e gatos”, tendo culminado na perda de 3 mandatos. Inês Sousa Real enfrentará sozinha os desafios que a próxima legislatura trará, que não se preveem fáceis, uma vez que o Pessoas-Animais-Natureza encontra-se claramente à deriva.
Por fim, chegamos ao “enterro”, não só figuradamente falando, mas literalmente também, uma vez que, no Largo do Caldas, onde se situa a sede nacional do CDS-PP, foi colocada uma coroa de flores. O CDS perdeu a sua representação parlamentar, tendo obtido o pior resultado da sua história. Sob o mote “Pelas mesmas razões de sempre”, Francisco Rodrigues dos Santos tentou de tudo para manter o histórico partido pelo menos ligado às máquinas; contudo, a tarefa não era fácil, uma vez que foi deixado pelo “irmão perdido em combate” e as ameaças quer da “prima moderninha”, quer do “primo sem maneiras” eram mais reais que nunca. Aquela que foi, em tempos, a “casa das direitas” hoje em dia não é mais que uma casa a arder. É de notar, contudo, que Francisco Rodrigues dos Santos foi o único líder dos “derrotados” que, na noite eleitoral e perante a catástrofe, apresentou a demissão – ainda que não o necessitasse de fazer, visto que o seu mandato tinha terminado, de forma oficial, a 26 de janeiro. Oxalá que o partido se consiga reerguer e reinventar, uma vez que é sempre triste ver um dos partidos fundadores da democracia a ir-se; agora, dever-se-á colocar a questão se deverão ser ou não as mesmas razões de sempre...
Este artigo representa exclusivamente a visão pessoal do seu autor.