Eleições Gerais em Angola
O povo que quer sorrir de novo
ARTIGOPOLÍTICA
Apesar de ainda não se ter fixado uma data, pouco se tem dito sobre a única eleição no país da palanca-negra-gigante e da welwitschia mirabilis que se vai realizar este ano e onde se elege os 220 deputados para a Assembleia Nacional.
Estas eleições ocorrem a cada cinco anos, sendo que o candidato do partido com mais votos se torna o presidente da República, mesmo que este não consiga assegurar uma maioria parlamentar (tal como acontece nas eleições autárquicas portuguesas).
Os poderes consagrados na figura do presidente, explicam o porquê de existir apenas um tipo de eleição em Angola. Para além de ser o chefe do Governo, este também tem poderes legislativos. Todos os governadores das 18 províncias são nomeados pelo presidente e executam as suas diretivas. Estando bastante patente este forte presidencialismo, torna-se mais difícil desassociar o partido que se encontre no poder com o Estado, especialmente, quando esse governa o país ininterruptamente durante 47 anos, como é o caso do MPLA.
Começando com o maior partido do país, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), é um nome que descreve bastante bem as origens do partido. Tendo surgido no fim de 1956 após a fusão de várias organizações nacionalistas e anti-coloniais (uma delas filiada ao PCP), o movimento intensifica a sua atividade em 1961 com o início da Guerra de Independência de Angola. Desde a sua génese teve fortes ligações à esquerda, o que motivou também o apoio recebido da União Soviética e de Cuba durante várias décadas, sendo que em 1977 (pouco depois do movimento se ter transformado num partido em 1975) se designaram oficialmente de marxistas-leninistas, com vista a pôr em prática a visão marxista do socialismo ao invés da do comunismo. Contudo, já em 1988, com a consolidação de Angola como país comunista, após a expulsão das tropas sul-africanas do país durante a guerra civil (uma longa história para outra altura), de forma a manter a manter a sua popularidade enquanto partido a liderar o país desde 75’, o MPLA abdica do marxismo-leninismo caminhando para a social-democracia, mantendo assim o seu ADN de esquerda.
O outro grande partido histórico angolano é a União Nacional para a Independência Total de Angola, comumente chamado de UNITA. Criado em 1966, é o 3º grande movimento independentista a aparecer em Angola, atrás do FNLA e do MPLA, nunca chegando a ter muito patente uma matriz ideológica (pelo menos, em comparação com os outros dois partidos, especialmente o MPLA). A sua posição de contrapartida face ao MPLA, resultou numa postura anti-comunista, da qual retirou apoios dos EUA e da África do Sul durante a guerra civil.
A par destes dois partidos, temos uma espécie de “joker”, a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE). Ao contrário dos outros partidos mencionados, a CASA-CE aparece num contexto de paz (pós-2002), com o enfraquecimento da UNITA decorrente de uma vitória esmagadora do MPLA, onde obteve cerca de 80% dos votos, nas primeiras eleições após o fim da Guerra Civil em 2008. Em 2012, liderados por Abel Chivukuvuku, ex-dirigente da UNITA, é fundada esta nova coligação eleitoral. Surpreendentemente, nas eleições desse mesmo ano, a CASA-CE, estabeleceu-se firmemente como terceiro partido na assembleia angolana, tendo consolidado a sua posição em 2017.
E o que nos traz aqui agora? Longe vão os tempos de divisões étnicas e linguísticas que definiam o MPLA (Mbundos) e a UNITA (Ovimbundos) nos meados da década de 70. O clima sociopolítico atual começou a definir-se com a crise de petróleo de 2014. A economia angolana que se encontrava (e ainda se encontra) extremamente dependente do ouro negro, ressentiu-se bastante. As respostas do governo do MPLA como, por exemplo, a cobrança de uma taxa de 20% de transferências de dinheiro de Angola para o exterior, o congelamento de salários da função pública enquanto o Kwanza sofria grandes desvalorizações (face ao dólar americano, principal referência da moeda angolana, foi cerca de 60% de 2015 para 2016), que resultou numa inflação geral dos preços, e juntando-se a isto o preço dos combustíveis que triplicou no espaço de dois anos, criou uma situação de instabilidade no último mandato do histórico presidente e líder do MPLA, José Eduardo dos Santos (conhecido por “Zédu”). Apesar desta situação e com a saída de cena de Zédu, em 2017, o seu sucessor escolhido, João Lourenço, venceu as eleições com uns impressionantes 61% dos votos.
Embora pareça caricato, para padrões europeus, este resultado confirma uma trajetória descendente para o MPLA (teve 70% dos votos em 2012). Não obstante, os primeiros dois anos de João Lourenço, apelidado carinhosamente de “J-Lo”, foram recebidos de forma positiva. Os cenários políticos e administrativos necessitavam de um virar de página, e com isso, o recém-eleito implementou algumas reformas e várias exonerações. Para além disso, estas posturas diferentes de um presidente trouxeram quezílias dentro do MPLA com vozes críticas dentro do partido (uma delas Tchizé dos Santos, deputada do partido, filha do ex-presidente) e até do próprio José Eduardo dos Santos, que levou agora ao famoso discurso de João Lourenço, numa visita a Portugal, sobre os “maribondos”. Contudo, a chegada do FMI e a sua inevitável imposição de medidas para a diversificação da economia angolana e a continuação de um cenário económico negativo, agravado pela situação pandémica, causaram uma ainda maior e brutal desvalorização do Kwanza (desde 2018), ao ponto de se falar a brincar num “câmbio de mil”. No ano passado um dólar americano valia 650 kwanzas (antes de 2015 valia 100 e em 2016 valia 160).
Ao se somar as controvérsias dos Luanda Leaks, onde a principal figura de destaque é Isabel dos Santos, suspeita de ter construído a sua fortuna graças à posição do seu pai, José Eduardo dos Santos, e a falta de reformas no país, onde muitos sentem que as exonerações foram apenas atos superficiais e aos crescentes protestos civis dos últimos dois anos nos quais se assistiram vários episódios de violência policial, que por sua vez gera mais instabilidade social, propicia-se um cenário onde é possível o MPLA não ter maioria no parlamento.
Surgiu no ano passado uma sondagem que colocava o atual presidente da UNITA, Adalberto Costa Jr., à frente de João Lourenço nas intenções de voto. Embora seja bastante possível que este dado não seja relevante para o futuro, Adalberto Costa Jr. é uma figura que tem ganho popularidade, e em particular desde que foi suspenso o congresso, de que resultou a sua eleição como presidente do partido em 2019, pelo Tribunal Constitucional que considerou “sem efeitos por violação da constituição da lei e dos estatutos”, onde estava em causa o documento que certificava a sua renúncia à nacionalidade portuguesa, e por ter conseguido mobilizar milhares de cidadãos a ir às ruas nos últimos anos.
Se a CASA-CE se mantiver consolidada, juntamente com o crescimento inevitável da UNITA, o MPLA poderá ter menos de 50% votos, que por si só, já soa como uma grande derrota para o partido da paz, trabalho e liberdade. Um cenário que implicaria um partido diferente ganhar as eleições numa província, possivelmente até Luanda (o MPLA teve menos de 50% na capital em 2017), pela primeira vez.
É estranho pensar num cenário destes para o MPLA, que teve como primeira grande figura Agostinho Neto, o partido que conseguiu absorver o FNLA de Holden Roberto e derrotar (militarmente) a UNITA de Jonas Savimbi, o partido indissociável de José Eduardo dos Santos, a única figura de estabilidade do país em tempo de paz.
Independentemente de quem surja por cima este ano, são inegáveis os esforços do povo mwangolé em se fazerem ouvir de modo que sejam feitas as reformas necessárias para melhorar a qualidade de vida de um país com um dos maiores índices de desigualdade no mundo. O povo quer um País Novo, e tal como dizem as letras de Matias Damásio, estas eleições vão contar “a história de um povo que tem tudo pra sorrir de novo”.
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