Tiraci fuori da questo film

As eleições italianas de setembro e o futuro de um país em mudança

ARTIGOPOLÍTICA

Carlos Eduardo Costa

9/30/20223 min read

É comum, no nosso quotidiano, ouvir pessoas dizer, por exemplo, que a sua vida ou que certa situação “dava um filme”. Isso ocorre quando surgem uma série de acontecimentos que, aos olhos de um comum mortal, são dignos de estarem numa obra de sétima arte. Um caso paradigmático de algo que dava um filme é a política italiana.

Decorreram, no dia 25 de setembro, as eleições gerais italianas, equivalentes às nossas eleições legislativas, num contexto de instabilidade mundial, com uma inflação galopante e uma guerra na Europa, ao qual se junta a já muito própria instabilidade e imprevisibilidade política italiana. E o resultado não augura um futuro muito risonho – ou pelo menos que os italianos, daqui por uns tempos, voltem a referir a frase que dá título a este texto.

Itália tem um sistema de governo parlamentar bicameral, ou seja, composto por duas câmaras – o Senado (câmara alta) e a Câmara dos Deputados (câmara baixa) –, o que significa que, para governar, isto é, para se ser indigitado “Presidente del Consiglio dei Ministri della Repubblica Italiana”, é necessário ter uma maioria sólida nas duas câmaras. Ora, para obter tal feito, é praticamente obrigatório o recurso a coligações, algo que, num país como Itália, se torna praticamente impraticável.

Após duas coligações lideradas – e falhadas – por Giuseppe Conte e pelo Movimento 5 Estrelas, partido populista, uma delas com a Lega, de Matteo Salvini, cuja matriz é de extrema direita, e outra com o Partido Democratico, partido de centro-esquerda, o país em forma de bota partia para estas eleições após um período em que foram governados por um Governo de iniciativa presidencial, liderado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, governação essa que foi igualmente marcada por períodos de instabilidade causada pelas diversas forças políticas representadas no Parlamento italiano.

Saiu vencedora a coligação de “centrodestra”, liderada pelo partido Fratelli d’Italia, de Giorgia Meloni, que foi, dentro da coligação, o partido mais votado (26%), e da qual faziam igualmente parte os partidos de Salvini, a Lega, e do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, o Forza Italia. Esta coligação obteve 44% em ambas as câmaras do Parlamento italiano, uma maioria relativamente estável que, tendo em conta o retrospeto italiano, o principal obstáculo será o entendimento dentro da própria coligação. Em segundo lugar ficou a coligação de centro-esquerda, liderada pelo Partido Democratico, que não foi além dos 26%; já o Movimento 5 Estrelas não conseguiu ir além dos 15,5% dos votos, tendo sido a terceira força política mais votada. Se fizermos uma análise mais profunda, nomeadamente verificando os resultados de cada partido da coligação de centro-direita, podemos presumir que o povo italiano, até certo ponto, “castigou” Salvini pelo que sucedeu nos últimos anos, obtendo um resultado, em ambas as câmaras, inferior aos 9%, sendo, do ponto de vista individual dos partidos, apenas a quarta força política neste país.

Com este resultado, Meloni será a primeira mulher a liderar o Governo italiano, mas, ao mesmo tempo, Itália volta a ter a extrema-direita no poder, precisamente 100 anos após a chegada ao poder de “Il Duce”, Benito Mussolini. Resta saber quais serão os efeitos deste resultado no ponto de vista da União Europeia. À primeira vista, não podemos augurar nada de muito positivo quando as primeiras reações a louvar o resultado destas eleições vieram da parte da Frente Nacional francesa – partido de Le Pen –, e do Fidesz, partido de Viktor Orbán. Num momento em que continua a decorrer uma guerra no território europeu, com a Rússia a perder cada vez mais terreno e com a UE a ter um papel exemplar a lidar com tal situação, ter dentro desta organização cada vez mais aliados de Putin com poder e influência poderá dar um resultado muito nefasto – não podemos esquecer que Itália é um dos fundadores na atual UE, além de ser o terceiro país mais populoso e o terceiro com maior Produto Interno Bruto (PIB). E isto torna-se ainda mais perigoso tendo em conta que o anterior primeiro-ministro, Mario Draghi, foi uma voz ativa pelos esforços que os europeus deviam fazer para que a guerra pudesse ficar cada vez mais próxima do fim – relembremos o “dilema do ar condicionado”.

Muita gente critica e questiona a viragem da política italiana para uma ideologia tão extremada, mas se olharmos para os últimos anos, tendo em conta o que já foi supra mencionado, podemos de certa forma entender tal movimento: enquanto os partidos, quer os mais tradicionais quer os mais recentes, não aceitarem a existência dos verdadeiros problemas das populações, não olharem para o bem do seu povo mas sim para os próprios interesses pessoais ou partidários, os partidos populistas e extremados terão sempre um maior impacto em estratos maioritários da população.

Este filme irá continuar nos próximos tempos, mas já há cada vez mais italianos a não querer ver este filme – atingiu-se, nestas eleições, um novo recorde de abstenção. Resta saber que tipo de filme continuará a ser, mas algo me diz que o que vamos querer é que nos tirem dele.