O Poder dos Preços

O impacto da inflação na economia

ARTIGOECONOMIA

Tiago Campos

3/1/20224 min read

Estando atentos à discussão pública mais recente, facilmente percebemos que a utilização do termo “inflação” é cada vez mais recorrente. Olhando para os números, podemos observar uma taxa de 7.5% nos Estados Unidos, na União Europeia encontramos uma média acima dos 5% e, no nosso país, a inflação situa-se nos 3.4%. Estes números já estão acima do objetivo definido pelos bancos centrais no médio prazo (2%) e são consequência de acontecimentos mais recentes, tendo em conta que a taxa se manteve próxima de zero nos últimos anos para as zonas mencionadas. Desta forma, torna-se evidente a importância de definir o fenómeno, apresentar as causas prováveis e refletir sobre os potenciais efeitos.

Comummente, definimos a inflação como o aumento generalizado dos preços dos bens e serviços. Dentro deste, podemos consultar outros indicadores importantes como o Índice de Preços no Consumidor (IPC) e no Produtor (IPP), para compreendermos quem está a ser diretamente mais atingido pela subida de preços. Estes indicadores são extremamente importantes para o cálculo do valor real de outras medidas da nossa economia. Por exemplo, o PIB nominal pode ser inflacionado pelo crescimento dos preços e, portanto, é importante adaptar para o seu valor real (descontado pela inflação). Ao mesmo tempo, o cálculo da inflação é fundamental para informar os agentes económicos, para que mantenham os seus salários ao valor real anterior. A subida de preços implica que, a partir do mesmo salário, se consigam adquirir menos bens e serviços, funcionando na prática como uma espécie de redução salarial para todos. Apesar de ainda estarmos um pouco formatados para falar em termos nominais devido ao nosso passado recente de inflação residual, parece-me importante começarmos de novo a adaptar o nosso discurso para valores reais.

As causas deste fenómeno podem ser diversas, mas existem algumas que terão sido mais importantes. Por um lado, a inflação resulta de uma política expansionista dos bancos centrais e, no nosso caso, do Banco Central Europeu. Para responder à crise pandémica, o BCE aumentou exponencialmente a oferta de moeda para conseguir responder à falta de procura existente na economia da União Europeia. Com esta criação de moeda, tornou-se possível responder às necessidades das famílias, empresas e governos durante este período. Porém, como sabemos, a política monetária expansionista aumenta a pressão sobre os preços e, eventualmente, cria inflação. Por outro lado, o momento pós-pandemia que começamos a observar um pouco por todo o mundo, conduziu a aumentos de consumo. Como sabemos, aumentos da procura levam a aumentos de preços. Simultaneamente, temos observado um aumento dos preços das matérias-primas, tal como o petróleo, que afetam, e muito, os preços dos bens de consumo final. A tensão geopolítica vivida no leste europeu vai, expectavelmente, contribuir ainda mais para o agravar desta situação.

Provavelmente, para o leitor mais desatento, a subida de preços não traria grandes diferenças para a economia: os preços sobem, os salários acompanham e fica tudo na mesma. Contudo, a realidade é bem mais complexa. Como sabemos, a nossa dívida pública é bastante elevada (cerca de 130% do PIB). Assim, é expectável que a inflação nos ajude a reduzir o peso da dívida, visto que esta é medida em termos nominais. Um maior PIB nominal leva a um menor peso da dívida pública. Além disso, a inflação cria incentivos adicionais para o investimento. O dinheiro que está “parado” (seja no banco ou em casa) vai estar a desvalorizar bastante ao fim de cada ano. Desta forma, os agentes económicos vão querer colocar esse dinheiro investido na economia, seja em imobiliário, ações, entre outros, visto que este tipo de ativos tende a acompanhar a inflação. Numa economia como a nossa, com baixos níveis de investimento, esta pressão extra pode ser importante. 

Contudo, num prazo um pouco mais longo, podemos esperar que o BCE responda à crescente inflação com a subida das taxas de juro. Esta medida, caso seja demasiado abrupta, pode ser desastrosa tanto para as nossas contas públicas como privadas. Como disse anteriormente, a nossa dívida pública é bastante elevada e, portanto, uma subida acentuada das taxas de juro impactaria de forma significativa o nosso serviço da dívida. Ao mesmo tempo, teria um impacto importante nos juros pagos pelas empresas e famílias do nosso país. Deste modo, parece-me importante que o BCE vá aumentando gradualmente as taxas de juro para que não necessite de subidas repentinas quando já for tarde demais para controlar a inflação. Adicionalmente, caso os assalariados não exerçam pressão para a manutenção do seu poder de compra, uma maior percentagem do rendimento nacional vai parar aos bolsos dos seus empregadores. Consequentemente, visto que temos uma população com uma literacia financeira extremamente baixa, a subida de preços pode funcionar como uma espécie de imposto para as pessoas mais vulneráveis, favorecendo os grandes detentores de capital e, dessa forma, aumentar as desigualdades. Neste caso, conhecimento é mesmo poder.

Em suma, deixo aqui aqueles que são os principais pontos a reter. Em primeiro lugar, o BCE não pode continuar a esperar indefinidamente para aumentar as taxas de juro, mesmo que essas medidas possam ser impopulares. Se continuarem com esta passividade, o BCE pode ser forçado a atuar com mais severidade num caso de inflação elevada no futuro e essa mudança repentina pode causar uma recessão profunda na economia europeia. Paralelamente, o governo português também pode atuar no controle da subida de preços, nomeadamente, na descida de impostos sobre alguns bens essenciais. Se conseguirmos manter esta taxa de inflação abaixo da média europeia, estamos a ganhar competitividade no mercado único e, possivelmente, melhorar a nossa balança de bens e serviços. Finalmente, é fundamental aumentar a literacia financeira dos portugueses para que a subida de preços não alargue ainda mais as diferenças de rendimento. Para Milton Friedman: “Inflação é tributação sem legislação”; porém, na minha opinião, o grande problema não reside no aspecto tributário, mas sim na distribuição regressiva que a subida de preços propicia, afetando maioritariamente as camadas mais pobres da sociedade.

Este artigo representa exclusivamente a visão pessoal do seu autor.