Casos de Incompatibilidades no Governo

Recentemente têm sido reportadas alegadas situações de incompatibilidades de vários membros do Governo. No entanto, a reformulação da lei não é ainda consensual.

11/14/20225 min read

Nas últimas semanas, o Governo tem estado num sobressalto mediático, fruto das alegadas situações de incompatibilidade de vários membros. Desde o início do mês, foram conhecidos casos de possíveis situações de incompatibilidade de funções de quatro ministros, que têm levantado dúvidas acerca da sua legitimidade na permanência no Governo.

Os casos começaram no Ministério da Saúde, aquando da tomada de posse do sucessor de Marta Temido, Manuel Pizarro. Ao que consta, o novo ministro da saúde era, à data, o único gerente de uma empresa, que tem como atividade a consultoria técnica e aconselhamento de serviços de saúde, o que ao abrigo da lei, segundo o “Regime de funções por titulares de cargos políticos”, é incompatível com a sua presença no Governo. O ministro considerou-se ciente da situação, e explicou, que se assume como “sócio-gerente da empresa Manuel Pizarro – Consultadoria, Lda”, adiantando que o processo de dissolução da mesma “já se iniciou” e “não se encontra ainda concluído por ser necessário proceder à venda de um ativo da empresa, um imóvel localizado no Porto”. Já depois de ter tomado posse no governo, Manuel Pizarro mantinha-se no exercício de funções de gerente desta empresa. Na prática, significa que estava legalmente numa situação de incompatibilidade, num caso que por lei deveria ser entregue e avaliado pelo Ministério Público junto do Tribunal Constitucional.

Seguiu-se o caso da Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que está no centro de uma polémica de acusação de uma possível situação de incompatibilidade de funções. Em causa está o caso de uma empresa que recebeu apoios do Estado, através de Fundos Europeus Comunitários, e que tem como sócio maioritário o marido da ministra.A empresa criada por António Trigueiros de Aragão, marido da ministra da Coesão Territorial, foi beneficiada em 2021 com 133 mil euros de apoio do Estado. A Thermavelt, empresa em causa, mereceu aprovação da sua candidatura a fundos europeus por parte do Ministério da Coesão, tutelado diretamente pela ministra Ana Abrunhosa. Além disso, foi possível ainda verificar que outro sócio da empresa de António Trigueiros de Aragão era um empresário chinês condenado pouco antes disso por corrupção ativa, num processo de crime onde foi acusado de subornar o antigo Presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) no processo dos Vistos Gold.Em resposta ao sucedido, num artigo que escreveu publicamente, a ministra alegou que nada teve que ver com o sucedido, e invocou argumentos legais que tentam explicar que o seu Ministério não participou no processo de avaliação e aprovação da candidatura da empresa do seu marido e do seu sócio corrupto, a Fundos Comunitários. O PSD quer que a Ministra da Coesão Territorial entregue no parlamento os pareceres que pediu para avaliar um conflito de interesses por empresas dirigidas pelo seu marido terem recebido fundos comunitários. O caso está ainda a ser discutido no parlamento, e o Primeiro-Ministro enfatiza a confiança na ministra no seu Governo.

Acrescenta-se ainda o caso do Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, que não se pode dizer que seja um elemento que se afasta de episódios de elevada polémica. Facilmente nos recordamos da revogação do despacho publicado pelo ministro, relativo ao Plano de Ampliação da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa, sem o conhecimento do Primeiro-Ministro e do líder do PSD. Ora, esta decisão que especulou a demissão de Nuno Santos colmatou com um final feliz, na medida em que não apresentou demissão nem foi dispensado. António Costa justificou este desfecho afirmando que, apesar do grave erro, o ministro já o assumiu e “agora é seguir em frente”.

Desta vez, Pedro Nuno Santos poderá ter violado a lei das incompatibilidades que estipula que os membros do Governo estão sujeitos, entre outras obrigações, ao impedimento de participar em atos de contratação pública. Neste sentido, averiguou-se que o ministro tem participações equivalentes a 0,5% na empresa Tecmacal, que beneficia de contratos com o Estado. A lei das incompatibilidades estipula exatamente que membros do Governo estão sujeitos, entre outras obrigações, ao impedimento de participar em atos de contratação pública, não podendo, os próprios, os respetivos cônjuges e familiares ascendentes e descendentes ter participações superiores a 10% ou deter capital superior a 50.000 euros. O ministro é apenas detentor de 0,5% de participações, o que não viola a lei. Contudo, a sua família arrecada 50%, o que já por si entra em conflito com a norma jurídica. Pedro Nuno Santos, por sua vez, defende-se alegando que não tem “poder” suficiente na Tecmacal para executar negócios com o Estado, e, além disso, afirma que não tutela nenhuma das áreas que estejam a coordenar entidades com as quais a empresa tenha negócios. Adicionalmente, refere o parecer pedido em 2019 ao Conselho Executivo da Procuradoria-Geral que declarou que não haveria incompatibilidades em casos análogos.

Num caso não muito distinto, os holofotes debruçam-se sobre Elvira Fortunato e o apoio de 56 mil euros que atribuiu à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), para um projeto administrado pelo seu marido. Na verdade, a Ministra da Ciência e da Tecnologia e do Ensino Superior defende-se alegando que o Ministério da Ciência e Tecnologia não interfere com os projetos da FCT. Além do mais, refere que Rodrigo Martins, seu cônjuge, é um mero “parceiro através da Universidade Nova de Lisboa”. Porém, Elvira Fortunato diz, ainda, que o projeto é essencialmente coordenado pela Uninova, o Instituto de Desenvolvimento de Novas Tecnologias sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico. Este instituto divide-se em duas unidades de Investigação: CTS (Centro de Tecnologia e Sistemas) e CEMOP (Centro de Excelência em Microelectrónica e Processos Optoelectrónicos), sendo Rodrigo Martins diretor deste segundo laboratório. A ministra ainda admitiu que o projeto estaria, também, a ser coordenado pelo laboratório AlmaScience, que foi criado com o objetivo de auxiliar um dos projetos mais conhecidos de Elvira Fortunato, o desenvolvimento do “transístor de papel”. Note-se ainda que o seu marido, não só é diretor pertencente aos Board Members do laboratório da Almascience, mas, além disso, é identificado como Investigador Principal do Projeto. Por fim, ainda está em causa a participação de 15,98% na empresa NTPE (Nova Tech Paper-E) detida pela ministra, que esta argumenta que, em março de 2022, transmitiu para o marido, deixando de fazer parte da empresa.

Importa ainda analisar as diferentes posições do Presidente da República e do Primeiro Ministro. Marcelo Rebelo de Sousa relembra que tem o poder de, a qualquer momento, pedir a fiscalização sucessiva da lei que regula o exercício de funções políticas e que determina quais são as situações de incompatibilidade, incentivando, desde já, a clarificação da situação. António Costa, por sua vez, reforça não existir dúvida alguma quanto à forma como o seu Governo tem exercido as suas funções, não se intrometendo, no entanto, no pedido de esclarecimento da lei das incompatibilidades.