Conclusões do Caso Prison Break Português

Joana Xavier dá a sua opinião sobre a fuga do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, abordando a importância da Justiça na nossa sociedade.

POLÍTICAARTIGO

Joana Xavier

10/13/20246 min read

No dia 7 de setembro de 2024, cinco reclusos fugiram do estabelecimento prisional de Vale de Judeus (em Alcoentre, Lisboa). A fuga terá sido auxiliada com ajuda do exterior através do lançamento de uma escada, que permitiu aos reclusos escalarem o muro e acederem ao exterior.

Decidi abordar este tema uma vez que, no dia 7 de outubro de 2024, passado um mês da fuga, um dos cinco reclusos, Fábio Loureiro, foi detido em Marrocos.

Mas como foi possível a fuga de uma cadeia classificada como de alta segurança?

A fuga foi facilitada por uma série de falhas graves no sistema de segurança da prisão: o sistema de sensores de movimento e alarmes estava inativo há anos; a rede da cadeia não estava eletrificada; as torres de vigia foram demolidas em 2018; o sistema de videovigilância encontrava-se desligado no momento da fuga e a parte do muro por onde os reclusos escaparam encontrava-se sem monitorização direta por falta de guardas-prisionais. Além disso, a prisão encontrava-se sem diretor há três meses e o número de guardas-prisionais em serviço efetivo demonstrava-se inferior ao necessário.

Devido a esta “cadeia sucessiva de erros”, os guardas-prisionais só deram pela falta dos reclusos cerca de 40 minutos depois da fuga, sendo que só alertaram as forças policiais duas horas depois. Além disso, só passado quatro dias do acontecimento é que foram emitidos mandados de captura.

Contudo, antes de tudo isto, a prisão de Vale de Judeus já teria sido palco de uma outra fuga emblemática. Em 1978, 124 reclusos fugiram por um túnel que escavaram durante três meses. Para trás ficaram apenas 76 reclusos, que “só não saíram porque não quiseram".

O caso voltou a colocar nos (tão necessários) holofotes as falhas significativas na gestão do sistema prisional português. Destaca-se a enorme falta de investimento que culmina na escassez de recursos materiais e humanos e nas condições precárias dos estabelecimentos prisionais.

Mas só após uma análise detalhada das enormes vulnerabilidades e precariedades que ditam a realidade dos sistemas prisionais portugueses é possível reconhecer que mais tarde ou mais cedo uma situação destas poderia vir a acontecer (algo para que os próprios sindicatos do corpo de guardas-prisionais têm vindo a alertar há muitos anos).

Após vários anos a estudar esta temática, em 2021 o observatório permanente da justiça (OPJ) apresentou um estudo alargado sobre o sistema prisional em Portugal. As principais conclusões que se retiram são as seguintes: constata-se que, se recuarmos 20 anos atrás no tempo, pouca coisa se alterou no sistema prisional português, verificando-se que há uma descoincidência muito significativa entre aquilo que são as políticas desenhadas para o sistema prisional e a forma como essas políticas são implementadas.

O estudo identifica as três grandes áreas problemáticas do setor: a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais; a falta de condições materiais e instalações e as precárias condições profissionais dadas aos vários setores profissionais.

Quanto à primeira problemática, é defendido pelo estudo que há um conjunto de reclusos que não deveriam integrar o sistema prisional, uma vez que a perigosidade que apresentam poderia eventualmente ser objeto de medidas alternativas de punição. Isto evitaria a saturação de um sistema que já por si se releva sobrelotado.

Quanto à segunda problemática, é de salientar o carácter heterogéneo dos 49 estabelecimentos prisionais portugueses. Enquanto alguns estabelecimentos apresentam alguma sofisticação, estando dotados de um sistema de vigilância eletrónica, câmaras e outros instrumentos tecnológicos, outros revelam-se completamente arcaicos, já que, em pleno século XXI, não apresentam condições mínimas de salubridade para que se possa ter uma vida digna. Estes estabelecimentos atentam os direitos dos reclusos, privando-os dos direitos que lhes assistem enquanto cidadãos à guarda do Estado. Isto tem-se refletido nas sistemáticas condenações de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, estando em causa processos que são apresentados por reclusos.

Quanto à terceira problemática, destacam-se as precárias condições profissionais, não só do corpo de guardas-prisionais, mas também dos técnicos de reeducação, dos técnicos de reabilitação e dos técnicos de saúde que, limitados por estas condições, não cumprem os objetivos políticos desenhados para o sistema prisional. É, nomeadamente, posta em causa a segurança nos estabelecimentos prisionais, uma vez que os elementos de segurança, com destaque para o corpo de guardas-prisionais, são manifestamente inferiores àqueles que seriam recomendáveis. Isto acaba por frustrar os objetivos de ressocialização, reeducação e reinserção social.

Mas como se resolvem estes problemas?

A meu ver, sendo a justiça um dos três pilares fundamentais que compõem um Estado Democrático (a par da educação e da saúde), é necessário dotar o sistema prisional dos recursos materiais e humanos necessários ao seu efetivo funcionamento. O sistema está, acima de tudo, carente de recursos humanos, não só em termos quantitativos, mas principalmente em termos qualitativos, uma vez que não basta apenas colocar mais guardas-prisionais nas prisões, sendo também necessário que estes possuam formação adequada para o cumprimento das suas funções, que se desdobram em duas vertentes: as funções de segurança e as funções de ressocialização. Para tal têm de ter em consideração o perfil da população prisional de modo a adaptar as medidas de ressocialização aos reclusos, consoante o grau de perigosidade e violência que apresentem.

Além disso, é importante refletir sobre o tipo de prisões que desejamos para o nosso país. Até hoje, os muros das prisões portuguesas têm sido perspetivados quase de forma simbólica, como espaços fora da nossa vida social, que nos afasta da vista pessoas que cometeram determinados delitos. É importante que o espaço prisional se abra para, mais facilmente, percebermos o que se passa dentro do sistema.

É também imperativo que se opere uma reforma de algumas prisões. Entre os 49 estabelecimentos prisionais portugueses temos alguns que são considerados do século XIX, uma vez que os modos de vigia e punição que adotam revelam-se muito distintos daqueles que hoje em dia se advogam em termos de política para a reclusão. Além disso, alguns destes estabelecimentos ainda operam nas instalações prisionais das prisões de comarca que já existiam antigamente e que, naturalmente, não apresentam condições para as pessoas residirem durante longos períodos de tempo. Inclusive, alguns destes estabelecimentos prisionais (como os de Lisboa e Coimbra) continuam em funcionamento após já ter sido anunciado o seu encerramento há muito tempo.

No entanto, apesar destas observações, não se pode afirmar que Portugal é um país inseguro. Portugal é o 7.º país mais seguro do mundo; um dos países da União Europeia com menos crimes violentos; o rácio de reclusos por guarda-prisional está em linha com a média europeia; e a taxa de evasão de reclusos está abaixo da média europeia. Contudo, também somos o país com as penas de prisão mais longas da Europa e o 6.º país com reclusos mais velhos.

Por fim, resta-me proceder a uma breve análise comparada do sistema prisional português com o dito “sistema prisional do futuro” ou a “utopia das prisões” implementado em países como a Noruega. Nestas prisões é permitido aos reclusos a prática de atividades como esqui, cozinha, ténis e música. No local onde prestam trabalho é posta à sua disposição utensílios considerados perigosos como serras, objetos metálicos e facas. Os reclusos têm direito a estudar, tendo acesso a materiais de estudo, computadores e televisões. A maioria dos reclusos começa por cumprir a sua pena em prisões de alta segurança, sendo posteriormente ponderada a sua transferência para uma prisão de menor segurança, com o objetivo de criar uma transição gradual até à liberdade. A média de duração das penas é apenas de oito meses, sendo que a maioria não ultrapassa um ano. A taxa de reincidência criminal na Noruega é de 20%, a mais baixa do mundo. Como tal, é possível concluir que um preso na Noruega aparenta ter os mesmos direitos que os restantes cidadãos, sendo a vida na prisão semelhante à do exterior, com a única exceção de se encontrar privado do seu direito fundamental à liberdade.

Em suma, é importante perceber a influência do espaço prisional na reabilitação social do recluso e, como tal, procurar a transição do sistema prisional português para um regime semelhante ao implementado na Noruega. Para tal seria, acima de tudo, necessário que o novo Governo, no Orçamento de Estado, tivesse destinado mais dinheiro para o sistema prisional e de reinserção. Contudo, verifica-se precisamente o oposto, já que, se prevê gastar menos um milhão de euros do que o previsto no último Orçamento do Estado, aprovado para 2024.