Costa, Jovens e o Orçamento de Estado
Uma análise às medidas de apoio aos jovens do Primeiro-Ministro
ARTIGOPOLÍTICA
Sara Oliveira
10/8/20234 min read
António Costa anunciou, no passado dia 6 de setembro, um conjunto de “presentes” que irá atribuir aos jovens. O entusiasmo com a abertura da Academia Socialista foi o suficiente para o Primeiro-Ministro anunciar as medidas de apoio aos jovens que irão constar no Orçamento de Estado de 2024.
As medidas anunciadas permitem que os jovens que frequentaram uma universidade pública portuguesa possam ser reembolsados no valor das propinas pagas na licenciatura e mestrado, se iniciarem uma vida profissional ativa em Portugal. Existirão, ainda, benefícios relativamente à declaração de IRS e à introdução de um passe gratuito para transportes públicos para sub-23. Por fim, os jovens que terminem o secundário terão direito a uma estadia semanal, financiada pelo Estado, numa pousada de juventude, assim como, 4 bilhetes de viagens pela Comboios de Portugal (CP) e a oferta de um cheque-livro a jovens que façam 18 anos.
Todas estas medidas poderiam até dar a aparência de que este ano o Natal se celebra em setembro. Contudo, as respostas a estas medidas por parte dos outros partidos e pelos estudantes foram bastante negativas. As diversas críticas apontam que estes “presentes” não são a resolução para o problema da emigração de recém-licenciados.
Começaremos pelas opiniões mais polarizadas, abrindo, como seria de esperar, com as opiniões de outros partidos. As outras forças políticas não se mostraram particularmente em sintonia com a “euforia” de Costa com estas medidas, tendo a líder do PAN, acusado o Primeiro-Ministro de estar a oferecer uma “mão cheia de nada” aos estudantes. Contudo, Inês Sousa Real não parou aí e foi ainda mais longe. Acusou Costa de desperdiçar fundos comunitários e apelou para que estes fossem utilizados para ajudar as famílias portuguesas que passam por situações de pobreza extrema.
Existiram, ainda, acusações de imitação atiradas ao líder do PS. Em novembro de 2022, o PS votou contra uma proposta do PAN para tornar o passe sub-23 gratuito.
No mesmo enredo do furto de iniciativas, é relevante mencionar as semelhanças entre algumas das medidas “Costeanas” inovadoras e as propostas do PSD de criar um voucher-cultura e do Livre de implementar um cheque-cultura. Ambas apresentadas e chumbadas em 2022.
Por sua vez, a líder do Bloco de Esquerda também deu o seu parecer sobre as iniciativas anunciadas. Mariana Mortágua respondeu às medidas de António Costa expondo a fragilidade de algumas propostas, revelando que os jovens não verão o início da resolução dos seus problemas, com a introdução destas medidas.
Mortágua aponta ainda que, apesar do retorno, as propinas não deixam de ser uma despesa insustentável para várias famílias. Adicionalmente, refere que a isenção do IRS pode-se revelar menos benéfica do que o espectável. Na verdade, o salário obtido no primeiro ano de trabalho do jovem pode ser tão reduzido, que a contribuição que seria descontada revelar-se-ia equivalente a uma quantia residual ou mesmo nula.
Não poderia deixar de se apresentar algumas perspetivas do alvo efetivo destas iniciativas, os estudantes. Estes, sendo uma massa coletiva tão considerável, são aqui representados por uma generalização de uma amostra. O consenso é que apesar das medidas se revelarem uma ajuda para os estudantes, considerando-se todos os apoios bem-vindos, não apresentam uma solução credível. Não é realista vê-las como uma resolução ou até um primórdio de uma solução duradoura.
Apesar da origem do reembolso das propinas esteja no incentivo aos jovens recém-licenciados a permanecer em Portugal e a exercer o seu trabalho no país em que arrecadaram o mérito da conclusão do ensino superior, é demasiado otimista esperar que a quantia anual de 697 euros seja suficiente para competir com os salários oferecidos no estrangeiro.
Não se deve ignorar o impacto da retribuição deste valor para os jovens. Contudo, este valor não é uma quantia competitiva o suficiente para justificar uma permanência dos jovens em Portugal, em vez de investir numa carreira mais lucrativa lá fora.
Na verdade, o sociólogo João Teixeira Lopes, num estudo[1] em que participou, concluiu que os jovens portugueses emigrantes podem chegar a ganhar o triplo do salário que receberiam no seu país de origem. Este tipo de dados serve para revelar o quão desmotivadoras as propostas são. A quantia devolvida aos jovens através destas medidas é sofrivelmente inferior àquilo que é oferecido no estrangeiro.
Após a apresentação de diferentes perspetivas com motivações divergentes, vemos que existe um ponto fulcral. Não mencionado anteriormente porque sempre me ensinaram que se deixa o melhor para o fim (bem, neste caso, o pior), temos a crise da habitação. O elefante da sala que Costa tentou cobrir com novas iniciativas, que tiveram efeito de peneira, não é de todo esquecida.
A grande crítica apontada, tanto pela oposição como pelos estudantes, é precisamente em relação às dificuldades que os jovens enfrentam em tomar decisões sobre o seu futuro profissional numa plena crise de habitação. Tendo em conta todas as dificuldades em encontrar habitação e os custos associados ao mesmo, é expectável que os jovens comecem a questionar se um grande investimento numa residência justifica, por sua vez, o ingresso no ensino superior.
É essencial incentivar os jovens a iniciar a sua vida profissional em Portugal, pelo que rotular estas propostas como inúteis seria disforme com a realidade. Não podem, no entanto, ser anunciadas como um elixir que resolverá todos os problemas dos jovens.
A oferta de um cheque-livro e a oferta de uma estadia semanal numa pousada de juventude são de certa forma apelativas para dar a conhecer aos jovens a cultura de uma forma mais dinâmica. Já o retorno das propinas é uma medida pouco competitiva e bastante irrealista, tendo em conta a sua razão de ser e os objetivos que quer alcançar.
A “euforia” de Costa não afetou todos da maneira que esperava, mas fez salientar mais a necessidade de criação de um plano para começar a atenuar a crise de habitação.
[1] Bradramo- Brain Drain and Academic Mobility from Portugal to Europe