Desvendando o Método D'Hondt

Desafios e Alternativas ao Método D'Hondt

POLÍTICAARTIGOS

Tiago Leite

12/10/20234 min read

O autor escreve segundo o Português do Brasil.

Os eventos recentes que culminaram nas eleições antecipadas nos conduziram a este momento crucial. Já paraste para pensar o caminho que sua participação cívica percorre até que um deputado seja eleito? Neste artigo, procuro elucidar o funcionamento desse processo democrático, conhecido como Método D’Hondt, para alocação de deputados, enquanto questionamos suas fragilidades. É surpreendente como um procedimento tão fulcral para a Assembleia da República permanece desconhecido por grande parte da população portuguesa.

O Método D’Hondt, desde sua conceção na Constituição Portuguesa, não sofreu alterações no seu funcionamento. Para efeitos de informação, passo a explicar e demonstrar: a distribuição de mandatos inicia-se com a comparação direta dos votos de cada círculo eleitoral. A análise é feita a partir de coeficientes crescentes. O partido vencedor aloca imediatamente um deputado e seus votos são divididos por dois para o segundo mandato. Como vemos na tabela o “Partido 2” elege o segundo deputado pois 40.000 é superior a 25.000. Quando um partido elege 2 deputados, os votos são divididos por 3, um terço de 50000 é 16667, logo o “Partido 1” volta apenas a eleger deputados no sexto mandato, e assim sucessivamente até a alocação de todos os mandatos do círculo eleitoral. Em caso de empate, o partido com menos mandatos prevalece, conforme demonstrado na tabela a seguir no quarto mandato.

Figura 1 - Tabela puramente experimental com valores fictícios

O Método D´Hondt suscita questões por si só. É sabido que as percentagens de votos podem resultar em valores não inteiros, questionando assim a integridade desse critério de proporcionalidade direta.

Um dos argumentos a favor do método atual é a necessidade de representação parlamentar de áreas menos populosas, através dos círculos eleitorais. Entretanto, será este método justo e equitativo?

As sondagens, embora carreguem uma cota de desconfiança por parte dos eleitores, como os próprios deputados da Assembleia da República tem o hábito de reforçar com a emblemática frase “As sondagens valem o que valem.”[1], são indiscutivelmente um elemento crucial no desenvolvimento eleitoral do país. A apresentação dos resultados de forma proporcional gera disparidades com o Método de alocação de deputados. Logo, seria equivocado atribuir unicamente às pesquisas pré-eleitorais a responsabilidade por essa desconfiança, quando a falta de equidade na distribuição dos mandatos é responsabilidade exclusiva do Método D´Hondt.

Analisando a atual divisão da Assembleia da República e as percentagens de votos de cada partido, é possível perceber que o Partido Socialista (PS), mesmo sem atingir os 50% dos votos, obteve maioria absoluta na AR, enquanto o CDS-PP, apesar de ter mais votos que o Livre e o PAN, não conseguiu eleger deputados.

Figura 2- Método atual comparado com a proporcionalidade direta

Conclui-se, portanto, que o método é injusto para partidos menores. Ponto-chave para sua manutenção até os dias atuais. Os partidos com mais poder não tomarão decisões para prejudicar sua própria influência, apesar de ser o mais justo de se fazer, a menos que ocorra uma mobilização social suficientemente forte, como a história nos tem ensinado.

Em alternativa, existem vários sistemas de votação, como o Voto por Aprovação e o Método Sainte-Laguë, além de variações próprias do Método de D’Hondt que podem ser adotadas.

O Voto por Aprovação, utilizado na eleição do secretário-geral das Nações Unidas, considera o número de aprovações de cada eleitor. Trata-se de um método justo, porém inviável, para uma quantidade considerável de deputados.

Por outro lado, o Método Sainte-Laguë, similar ao Método D´Hondt, utiliza coeficientes ímpares crescentes, minimizando o favorecimento de partidos maiores. Este método é adotado em países como Alemanha e Nova Zelândia, com algumas variações nos sistemas eleitorais da Suécia, Noruega e Dinamarca.

Apesar de tudo, existem maneiras de melhorar nosso próprio método, como propõem o Professor Jorge Buescu, membro da Associação Portuguesa de Matemática, e o politólogo e professor universitário José Adelino Maltez. A introdução de círculos de compensação poderia aumentar a representatividade de territórios menos lembrados, além de aumentar a presença de novos partidos na Assembleia da República, considerando que a fragmentação parlamentar em Portugal não é um problema.

Recentemente, a Iniciativa Liberal propôs, a 4 de outubro de 2023, na Assembleia da República, a criação de um círculo de compensação. Circulo de compensação é um circulo não geográfico onde o objetivo é aglomerar todos os votos que não foram suficientes para eleger deputados ao longo do pais, e reutiliza-los neste circulo para distribuir mandatos. Esta iniciativa visa reduzir "votos desperdiçados" em 94% em Aveiro, 88% no Porto, 98% em Portalegre e 90% nacionalmente. Ao analisarmos o impacto dessa atualização metodológica nos partidos, identificamos uma necessidade muito mais equitativa nos votos.

Nas eleições legislativas, frequentemente, testemunhamos a presença da estratégia de "voto tático" ou "voto útil" por parte do PS e PSD, que consiste em votar num dos grandes partidos políticos para evitar que o outro ganhe. O sistema atual potencializa a força de uma concentração de votos, o que mina a consciência democrática da nação. Isso se torna uma mitigação de prejuízos (votos perdidos), cujas soluções concretas estão essencialmente em revisões do método, sempre que este se encontre desajustado.

O país carece de muitas reformas, incluindo a eleitoral, para que o eleitorado não precise recorrer a estratégias para garantir a justiça no processo. É essencial que existam partidos políticos que procurem por modernizar e superar um sistema globalmente arcaico, oferecendo propostas fundamentadas e discursos pouco burlescos. Talvez, assim, adentremos numa era menos marcada por sucessivas crises políticas, setoriais e sociais.

[1] Citação retirada do debate de sexta-feira, dia 9 de abril de 2023, transmitida pela SIC Notícias às 22:00.

Este artigo representa única e exclusivamente a opinião do seu autor, não representando no todo ou em parte a opinião da Católica Policy Society.