Educação em tempos de revolução

E depois de abril?

POLÍTICAARTIGOSABRIL DE 74

Mariana Nóbrega

4/7/20243 min read

“Aí só há liberdade a sério, quando houver...”

É ponto assente que a Educação é um dos pontos basilares na construção de uma sociedade mais justa e evoluída. Sendo a nossa geração a “mais qualificada de sempre”, é necessário olhar para o passado e perceber que nem sempre foi assim.

Nem sempre tivemos acesso ao conhecimento livre e sem restrições, conhecimento sem a mão de um Estado autoritário que decidia o que era ou não transmitido à população, através dos demais instrumentos de censura conhecidos, como o famoso “lápis azul” que escondia “o país que não podia vir ao público”.

Não há dúvidas que a democracia mudou a Educação em Portugal. Abril trouxe a promessa de uma escola para todos, onde o acesso à informação já não tinha limites nem barreiras, tínhamos chegado à era do ensino universal. Após a revolução de 25 de abril de 1974, a Revolução dos Cravos, Portugal acordava para o flagelo do trabalho infantil e para um abandono escolar em massa em todo o território. Era de esperar que, sendo a escolaridade obrigatória apenas até à quarta classe, muitos jovens começassem logo a trabalhar, perdendo a oportunidade de adquirir novos conhecimentos e ter diferentes perspetivas. Esta tendência afastava Portugal do progresso e da inovação, deixando para trás o sonho de crescimento e renovação que o país tanto precisava.

“A Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação”

A Educação em Portugal tem sido, ao longo destes 50 anos de democracia, um pilar fundamental para o desenvolvimento do país. Um dos grandes feitos da revolução de abril foi, sem dúvida, a reforma no sistema educativo que consistiu na abertura de possibilidades às classes populares, tanto no acesso, como na permanência e no sucesso no meio escolar.

Esta possibilidade de acesso à educação transformou a vida de muitos. Porque educação é poder, é importante que esse poder esteja nas mãos do povo. Como dizia Simon Bolívar, “Um povo ignorante é o instrumento cego da sua própria destruição”, a mudança de paradigma sobre o rumo do ensino, libertou e salvou Portugal.

Mas o que será que mudou no ramo da educação com a queda do regime ditatorial?

Antes da revolução, a escola salazarista era composta por um reitor, a maioria dos alunos limitava-se a estudar apenas durante 4 anos (os obrigatórios), os professores eram quase exclusivamente expositivos e pouco ou nada havia de atividades para além das aulas. As escolas eram separadas para meninos e meninas e a intervenção dos pais era praticamente nula. Em suma, a escola pertencia ao Estado e apenas este podia ditar o que os alunos iam aprender e fazer, sem nenhum tipo de intervenção externa.

Para Salazar, também a escola deveria subordinar-se ao centralismo ideológico que tinha traçado para Portugal. Entendia que não bastava definir os valores fundamentais do Estado Novo, era necessário mostrá-los, inculcá-los e publicitá-los.

É de notar que, ciente da importância da escola para aqueles que a frequentavam, no sentido em que poderia abrir horizontes inconvenientes, Oliveira Salazar apressou-se a delimitar o seu campo da ação. Como? Através da nomeação dos professores e da sua obrigatoriedade de lealdade ao novo regime, é através do livro único e da seleção dos textos nele inseridos, aliados também às rígidas normas impostas às escolas primárias. Estas normas passavam pela observação de rituais cívicos como também religiosos: rezar antes de iniciar trabalhos, pedir a Deus saúde para o “chefe” Salazar ou agradecer o pão de cada dia. Persistia, apesar de se tentar fazer crer o contrário, uma mentalidade que se esperava fosse castradora face a ideologias tidas como subversivas: o comunismo e o parlamentarismo democrático.

Após a Revolução, pouca coisa mudou do dia para a noite. O mais importante foi lento, porque o tinha de ser. Inicialmente foram introduzidas as iniciativas extracurriculares, dos professores e dos alunos surgiram também clubes de todos os tipos, publicaram-se jornais de escola, organizavam-se torneios e concertos, dependendo de cada escola, como é claro, mas o importante foi que a liberdade no campo do ensino foi instaurada. Aboliu-se o regime das aulas separadas entre raparigas e rapazes, foram construídas mais escolas, contratados mais professores. O mote de “acesso de todos à escola” revelou-se essencial e, a partir daí, iniciaram-se as reformas necessárias aos métodos de ensino e de aprendizagem para que fosse cumprido outro objetivo: o “sucesso escolar para todos”.

“Só há liberdade a sério quando houver

Liberdade de mudar e decidir”

Resta-me tecer um comentário final em relação ao nível de atraso do nosso país que se deve, em muito, a uma educação que foi, ao longo de 41 anos, minimalista, castradora, elitista e bloqueadora do progresso tecnológico. A escola representou, durante todos os anos em que esteve capturada por um regime limitador, um lugar onde se negligenciou afetos e cultura e privilegiou a inculcação de valores e a disciplina individual e coletiva para “bem da nação”.

Que os valores de abril perdurem e que Portugal possa, finalmente, abrir caminho em busca do progresso e desenvolvimento que sempre almejou.