Estatutos OA: O que muda para ti?

Uma análise à alteração dos Estatutos da Ordem dos Advogados. Como é que esta mudança afeta os Estudantes?

ARTIGO

João Sampaio Costa

10/22/20235 min read

Este artigo não versa sobre qualquer controvérsia relativa à renumeração dos estágios; ou sigilo profissional; ou competências dos Advogados-Estagiários e restantes profissionais afetados; ou deontologia ou consequências para a profissão em si. Apenas retrata a leitura de um estudante de Direito, para com os colegas, do que há de mudar com a Proposta quanto à inscrição, ressalvas acrescidas no estágio e opções de carreira.

Depois de muito vasculhar como quem freneticamente procura por algo importante nos espaços habituais, fartei-me! À data que começo a escrever isto (verão 2023), não há um único artigo ou peça que explique como a alteração dos Estatutos da Ordem dos Advogados afeta, exclusivamente ou em detalhe, os Estudantes ou futuros Advogados-Estagiários, além da enorme discussão sobre o estágio ser renumerado a 950€ (com a seguinte fórmula, salário mínimo acrescido de 25%, constante do Artigo 195.º, N.º 10, da Proposta).

Lá as encontrei enfiadas no capítulo XVII, páginas 510 e seguintes, da Proposta de Lei n.º 96/XV/1.ª (2023), as propostas alterações ao estatuto da Ordem dos Advogados[1]_[2]. Que são bem lidas ao contrapor lei vigente com lei proposta, portanto, eis o que me aparenta ser interessante para o estudante de Direito, tendo em consideração as questões e pontos anteriores.

Segundo rumores sobre o Bastonário Luís Menezes Leitão, sussurrava-se que ao estudante de Direito não lhe bastaria mais ser, simplesmente, Licenciado em Direito para poder requerer a sua inscrição na Ordem dos Advogados. Passando a requerer-se Mestrado ou Pós-Graduações, com determinadas especificidades[3]. Certamente de modo a acompanhar a Magistratura, embora também havendo quem considerasse que os crescentes números de Advogados no país (em direção aos 40.000[4]) fossem a razão principal desta potencial alteração.

Isto criava um peculiar incómodo, salvo para quem frequentassem o Mestrado em Direito Judiciário[5], porque a prova de agregação para a Ordem dos Advogados ainda consiste numa prova de Direito Processual Civil, Direito Processual Penal e Deontologia Profissional. Ou seja, o recém-Licenciado que provavelmente ainda terá estas disciplinas processuais frescas, fazia o devido aprofundamento prático nas aulas da Ordem e seguia com Deontologia Profissional, como única novidade.

Agora, se considerarmos que a vasta maioria dos Mestrados e restantes especializações em Direito, à exceção da referida, não se focam extensivamente nestas disciplinas, especialmente os Mestrados em Direito Administrativo e Fiscal, Internacional e Europeu, entre outros, o nosso prospetivo estudante passava a ter de possuir o título de Mestre, mas estar sujeito a uma prova em nada relacionada com a especialização. Tem um certo efeito dissuasor, porque se tornam mais apelativas outras profissões jurídicas ao profissional que, estando a trabalhar na sua área de especialização, tenha de regressar as estas disciplinas, relevantes para a prática, mas em princípio trabalhadas na Licenciatura. Algumas faculdades até incluindo disciplinas de prática processual com Sociedades e Advogados[6].

Com a nova proposta este problema hipotético nem se coloca, dizendo expressamente o Artigo 195.º, N.º 1 da Proposta, que não obstante o estágio visar “a formação dos advogados estagiários através do exercício da profissão sob a orientação do patrono, tendo em vista o aprofundamento dos conhecimentos profissionais e o apuramento da consciência deontológica”, deverá fazê-lo “garantido a não sobreposição das matérias a avaliar com matérias ou unidades curriculares que integram o curso conferente da necessária habilitação académica”. Eu leio isto e penso, bem! Parece-me que num futuro onde esta Proposta seja aprovada, o exame de agregação mantém, nas vertentes práticas, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, restando apenas a Deontologia Profissional como novidade, mas longe ficará o requisito de mestrado ou pós-graduação.

Existem também algumas novas especificidades quanto ao requerimento (Artigo 194.º, N.º 2); possibilidade de o estágio ser suspenso por período não superior a 5 anos (Artigo 195.º, N.º 9 c/ 18); no caso em que o advogado-estagiário não obtenha aproveitamento num determinado elemento (exame de agregação, por exemplo), o estagiário que se volte a inscrever nos cinco anos seguintes não perde progresso, quanto aos elementos de avaliação a que tenha tido aproveitamento, (formação já frequentada e intervenções processuais realizadas, Artigo 195.º, N.º 17); e importante de notar, uma redução na duração total do estágio de 18 meses para 12, a contar da data do requerimento de inscrição (Artigo 195.º, N.º 2 c/ 194.º, N.º 2 da Proposta).

Em geral, parece-me que o futuro Advogado-Estagiário vai ter uma viagem mais almofadada a caminho de ser Advogado. Porque, por um lado, praticamente todos os Artigos referentes ao estágio duplicam ou triplicam em N.ºs, há mais exatidão, limites e salvaguardas no seu percurso. Mas, por outro lado, sei por correr os escritórios de Advogados locais (Guarda e Santa Maria da Feira, por exemplo), que a sua capacidade de acolher estagiários vai ser desafiada.

Existem pontos que embora não sendo o foco principal deste pequeno Artigo, também não estão no holofote da comunicação social e são relevantes, como o fim da reciprocidade de inscrição na Ordem dos Advogados Portuguesa e Brasileira, segundo a qual podiam Advogados inscritos na Ordem do respetivo país obter uma inscrição livre de estágio, revogando-se o atual N.º 2 do Artigo 201.º.

Uma coisa, para mim, é certa. Sendo aprovada esta Proposta, sinto-me mais confiante na inscrição na Ordem dos Advogados. Face às assombrosas taxas de chumbo de 80% ou mais em certos centros regionais, vistas em dezembro de 2022[7], mesmo tendo em consideração que, por via de recurso, a média dos chumbos tenha descido[8] para 36.1%, leio a primeira notícia e penso, “não nos querem lá”. E é esta a ponderação do Estudante que, armado de Licenciatura ou Mestrado, tem de pensar sobre a que carreira se irá atirar? Porque mais condicionamentos aqui ou ali, o tempo decerto continuará a passar e escolhas terão de ser feitas.


[1] https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173094, website do Parlamento com respetivos pareceres das Ordens Profissionais.

[2] https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484d364c793968636d356c6443397a6158526c63793959566b786c5a79394562324e31625756756447397a5357357059326c6864476c3259533969595759314d4441305a69307a5a446b784c5451355a6d5974596a64694e53316b5a54457a4d544e6c4d6d51334d4459755a47396a65413d3d&fich=baf5004f-3d91-49ff-b7b5-de1313e2d706.docx&Inline=true, acesso direto à Proposta de Lei, conforme disponibilizado no website do Parlamento, em formato PDF.

[3] Quanto aos ECTS, devido à disparidade de oferta académica, sendo algumas semestrais e outras completos Mestrados sem tese obrigatória.

[4] https://eco.sapo.pt/2023/05/31/numero-de-advogados-em-portugal-bate-recorde-e-volta-a-subir-para-38-804-em-2022/?utm_source=headtopics&utm_medium=news&utm_campaign=2023-05-31.

[5] https://www.direito.uminho.pt/pt/Ensino/Mestrados/Paginas/Mestrado-em-Direito-Judiciario.aspx, a título de exemplo.

[6] https://fd.porto.ucp.pt/pt-pt/unidade-curricular/practicum-de-processo-civil, com colaboração das seguintes Sociedades de Advogados, conforme descrito no website: Cuatrecasas; Gonçalves Pereira; José Pedro Aguiar Branco e Associados; Montalvão Machado e Associados; Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados; Uría Menéndez – Proença de Carvalho; Taveira da Fonseca e Associados.

[7] https://sicnoticias.pt/pais/2023-03-03-Oito-em-cada-10-advogados-estagiarios-chumbaram-no-exame-de-acesso-a-Ordem-ead3aa43.

[8] https://globalmedia-quiosque.pressreader.com/article/281814288281284.