Inflação e Política Monetária
BCE vs Governos
ARTIGOECONOMIA
Em economia, é sempre difícil medir os efeitos que resultam da execução dos orçamentos de estado dos governos, ou avaliar o impacto real das intervenções monetárias dos bancos centrais na economia. A política fiscal e a política monetária continuam a ser instrumentos económicos difíceis de manusear e decifrar e nem sempre é possível cumprir os objetivos para os quais estas foram desenhadas, já que por vezes elas acarretam externalidades que produzem efeitos muito negativos para uma quantidade significativa de agentes económicos. Na Europa, a União Monetária desafiou a capacidade dos governos da zona euro de lidar com o ciclo económico e de executar conjuntamente estas duas políticas. Em 1999, após terem sido fixadas as taxas de câmbio dos 11 países que aderiram ao Euro, a condução da política monetária passou a estar sob a responsabilidade única e exclusiva do Banco Central Europeu, que durante duas décadas se encarregou de fixar taxas de juro e controlar a circulação do euro para controlar a inflação, enquanto os governos tratavam dos seus orçamentos. Assim, torna-se conveniente perceber qual o papel desempenhado por estas instituições na condução destas políticas desde o início do século, e perceber quais as causas da atuação destes intervenientes na atual crise económica, sendo para isso necessário olhar em retrospetiva para o que aconteceu no passado.
25 anos de estabilidade de preços
Em economia, é sempre difícil medir os efeitos que resultam da execução dos orçamentos de estado dos governos, ou avaliar o impacto real das intervenções monetárias dos bancos centrais na economia. A política fiscal e a política monetária continuam a ser instrumentos económicos difíceis de manusear e decifrar e nem sempre é possível cumprir os objetivos para os quais estas foram desenhadas, já que por vezes elas acarretam externalidades que produzem efeitos muito negativos para uma quantidade significativa de agentes económicos. Na Europa, a União Monetária desafiou a capacidade dos governos da zona euro de lidar com o ciclo económico e de executar conjuntamente estas duas políticas. Em 1999, após terem sido fixadas as taxas de câmbio dos 11 países que aderiram ao Euro, a condução da política monetária passou a estar sob a responsabilidade única e exclusiva do Banco Central Europeu, que durante duas décadas se encarregou de fixar taxas de juro e controlar a circulação do euro para cuidar da inflação, enquanto os governos tratavam dos seus orçamentos. Assim, torna-se conveniente perceber qual o papel desempenhado por estas instituições na condução destas políticas desde o início do século, e perceber quais as causas da atuação destes intervenientes na atual crise económica, sendo para isso necessário olhar em retrospetiva para o que aconteceu no passado.
A Política Monetária do BCE
Depois de fixados os critérios de convergência de Maastricht em 1993, a variação dos preços era suave e pouco problemática. Na entrada do século, enquanto a inflação era baixa, as taxas de juro de referência estavam fixadas pelo BCE a um valor adequado à entrada precoce do euro em circulação, e tinham como objetivo garantir a estabilidade dos preços e da moeda única. A conjuntura do ciclo económico, com baixas pressões inflacionistas, foi permitindo que essas taxas de juro fossem sendo aumentadas até 2007, ano em que a inflação voltou a dar possíveis sinais de crescimento, fruto da instabilidade sentida nos mercados, mas tal não se verificou.
A 15 de setembro de 2008 um terremoto financeiro abalou a economia americana e as suas réplicas fizeram-se sentir na Europa e no resto do globo. A falência do Lehman Brothers levou o Banco Central Europeu, numa tentativa de mitigar a intensidade do abalo na união europeia, iniciar um processo de aquisição de ativos à banca comercial, e a reduzir gradualmente as taxas de juro com o intuito de dinamizar a economia após a crise do “Subprime”. Nos anos que se sucederam, esta prática expansionista tornou-se a regra da política monetária. A taxa de juro de referência desceu 1,25 pontos percentuais em apenas três anos, passando de 1,5% em 2010, para 0,25% em 2013, sendo que a 10 de setembro de 2014, estas mesmas taxas de juro já rondavam virtualmente os 0%, onde se mantiveram até 2022. Esta forma de política monetária, conotada de “quantitive easing”, tinha como objetivo combater o risco de deflação e evitar aumentos do custo da dívida soberana dos países, retirando flexibilidade às políticas fiscais adotadas pelos demais legisladores. Podemos concluir, portanto, que durante quase uma década, a inflação e as taxas de juro se mantiveram baixíssimas, quase nulas.
Em 2020, o covid assombrou rapidamente o mundo. A infeção globalizou-se e as medidas de contenção começam a sufocar a economia, o que obrigou os órgãos soberanos a injetar dinheiro no tecido empresarial através de medidas como o “Layoff” e recorrendo até a dinheiro de helicóptero. Esta prática veio forçar a máquina do BCE a "imprimir dinheiro", dinheiro que se foi acumulando visto que a população viu as suas despesas restringidas apenas ao essencial. Heis que chega 2022 e com ele um aliviar das restrições, a economia vê a corda a laçar do pescoço e uma oportunidade para escoar a liquidez que se veio a amontoar nos últimos anos. Nesta altura, surgem os primeiros sinais de inflação. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, fomos presenteados com um cenário de inflação galopante que trouxe a Portugal um valor recordista de inflação subjacente por integrarmos um espaço económico altamente dependente da importação de energia e bens alimentares. Para responder o BCE iniciou um processo de normalização da política monetária que terminou a compra de obrigações à banca comercial e fez subir a taxa de juro em dois pontos percentuais num espaço de 3 meses. 25 anos depois, a inflação encontrou novamente a conjuntura perfeita para se colonizar e a sua disseminação gerou um acréscimo de pressão dentro do BCE para normalizar as taxas de juro e arrefecer a economia. Pela primeira vez, em 20 anos de Banco Central Europeu, foi necessário conter drasticamente a inflação, e trazê-la para os 2%. A sensibilidade deste tópico e as consequências que acarreta para as famílias foi tema de discórdia entre o BCE e uma proporção avassaladora dos governos da zona euro.
Política Orçamental VS Política Monetária
A dificuldade objetiva de lidar com esta inflação exige o esforço conjunto dos governos da Europa e das Instituições europeias, pelo que nem sempre foi possível chegar a um consenso a cerca desta atuação do BCE. Durante os últimos meses, muitos foram os governantes que contestaram e se opuseram à “agressividade” das subidas das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu. Esta discórdia tem vindo a transformar a discussão de como combater a inflação num confronto entre objetivos da política orçamental dos governos, e de política monetária do BCE. Se por um lado o BCE pede cautela em relação ao perigo de incentivar o consumo e gerar ainda mais inflação com muitos incentivos e apoios à economia por parte dos estados, por outro, os governos não acompanham a autoridade monetária e acusam o BCE de estar a comprometer muito do bem-estar social e das dificuldades desta crise.
Em Portugal, os apoios extraordinários anunciados pelo primeiro-ministro de 125 euros, foram vistos com maus olhos pelo BCE precisamente pelo motivo que tem dividido os intervenientes políticos. Estímulos e apoios sociais pouco direcionados podem comprometer os efeitos da política monetária, que aos olhos do governo português, também provoca efeitos prejudiciais. A consolidação orçamental dos governos europeus está por isso também muito dependente da política do BCE e da evolução das taxas de juro, e isso é preocupante para uma série de países que não vinham regularizando a situação da sua dívida. Em países como a França ou a Itália, a crise tem evidenciado, pelo contrário a necessidade de responder aos mais desfavorecidos, pelo que o reforço dos orçamentos nacionais é fundamental, mas aparentemente contraditório com os objetivos do BCE.
Esta situação está a desafiar mais uma vez a unidade e capacidade de resposta da Europa ao enorme problema da inflação. E por isso, no início de um ano que se espera difícil em termos de custo de vida para todos, esperemos também que as projeções da inflação e os sinais de recessão possam ser tão resilientes quanto foram a maioria dos europeus a lidar com esta crise económica, pelo menos até agora.