O “Despertar” da Democracia

Manter-se-á a vontade democrática?

ARTIGOPOLÍTICAABRIL DE 74

Joana Xavier

4/28/20245 min read

Celebrou-se no passado dia 25 de abril os cinquenta anos desde a revolução dos cravos. Cabe-nos refletir acerca da importância da data que dita uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa, que veio a redefinir a nação, acabada de sair de 48 anos de ditadura. O golpe militar conduzido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, pôs termo ao regime autoritário do Estado Novo, abrindo caminho à democratização e ao desenvolvimento do país.

Mas como se caracteriza a ordem política que consolidou o regime fascista em Portugal?

Desde o momento em que Salazar entrou no Governo, mesmo ainda como Ministro das Finanças, assumiu desde logo a posição de ideólogo do regime. Pautou a sua governação pela criação de organizações repressivas e mecanismos de controlo da população que garantiam o culto da personalidade ou culto do chefe com a correspetiva negação dos direitos e liberdades individuais. As instituições políticas consolidavam o seu controlo sobre o poder do Estado.

O cargo de Chefe de Governo era ocupado por Salazar, que atuava através do Conselho de Ministros. Este órgão central de tomada de decisões apresentava-se como uma superestrutura ao serviço do poder executivo, permitindo a Salazar a implementação eficaz das suas políticas e orientações de governo.

A Assembleia Nacional, embora constitucionalmente e exclusivamente edificada como o órgão legislativo, na prática, servia principalmente como uma ferramenta de apoio ao regime. Os seus membros não eram eleitos, mas sim nomeados, garantido que estariam alinhados com os interesses do Estado Novo. Por via de regra, a Assembleia Nacional limitava-se a ratificar as políticas e leis propostas pelo Governo, sem, como tal, oferecer uma verdadeira representação democrática. Afastada dos debates de uma assembleia constituinte ficou também a aprovação da Constituição de 1933, plebiscitada a partir de um projeto de Constituição concebido e elaborado pelo Presidente do Conselho de Ministros, coadjuvado por um pequeno grupo de colaboradores.

A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), enquanto principal órgão de segurança do Estado Novo célebre pela sua brutalidade e eficácia na repressão de qualquer forma de dissidência política e oposição ao Estado novo, era responsável por deter e interrogar opositores do regime, muitas vezes recorrendo à tortura e à intimidação com o propósito de manutenção da ordem interna.

Durante o Estado Novo, as eleições eram uma realidade, sendo, no entanto, pautadas por um conjunto de práticas que limitavam severamente a participação democrática e o livre exercício do direito ao voto.

O sistema político eleitoral do Estado Novo pautava-se pelo seu controlo rígido, sendo a União Nacional o partido dominante (e praticamente o único), enquanto outros partidos eram proibidos ou severamente reprimidos. Em consequência, as opções políticas dos eleitores apresentavam-se extremamente restritas.

Além disso, as eleições eram altamente controladas pelo Estado, desde a seleção dos candidatos até à administração das votações. Os candidatos eram maioritariamente os filiados na União Nacional, assegurando, deste modo, que apenas os candidatos alinhados com o regime participavam na corrida eleitoral.

O direito de voto também estava sujeito a restrições significativas. O sufrágio não era universal, mas sim censitário, o que significava que apenas aqueles que atendiam a certos critérios podiam exercer o direito de voto, excluindo-se, como tal, uma parte significativa da população.

A Revolução de 25 de Abril de 1974 marca o início da vida democrática em Portugal. A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país e assegura o primado do estado de Direito democrático com a criação de instituições políticas (o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais) que abrem caminho a uma sociedade socialista, onde se prevê o respeito pela vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.

Cabe-me, por fim, opinar em relação ao recente fenómeno do crescimento dos ideais de extrema-direita.

A globalização acarreta desvantagens associadas à competição e sobrecarga do mercado de trabalho e à perda de identidade cultural. A reação a estas mudanças pode conduzir a um retorno ao nacionalismo e ao protecionismo, valores frequentemente associados à extrema-direita. As preocupações derivadas deste fenómeno são muitas vezes capitalizadas pelos partidos de extrema-direita, que aproveitam para promover políticas anti-imigração e xenofóbicas.

Acrescenta-se que a corrupção, o elitismo de classes, o descrédito nas forças políticas dominantes, a estagnação política e a relutância à mudança podem levar à procura de alternativas fora do mainstream político, normalmente enveredando pelo apoio a partidos e movimentos de extrema-direita que prometam uma rutura e mudança radical dos padrões políticos vigentes.

Os baixos níveis de instrução da população podem ainda originar, mais facilmente, a sua adesão a ideologias extremistas, especialmente entre os jovens.

Foi nestes moldes que se verificou a ascensão dos demais partidos de extrema-direita ao longo da História (tais como Hitler, Mussolini, entre outros). É também por estas razões que, nos últimos anos, se tem vindo a constatar um aumento significativo da ascensão de partidos de extrema-direita nos vários cantos do mundo. Alguns exemplos notáveis incluem, o crescimento do número de apoiantes destes partidos na Europa (como o Vox espanhol e a Lega italiana); nos Estados Unidos, o crescimento do movimento da Alt-right, especialmente durante a presidência de Donald Trump; e na América Latina, com o apoio a líderes e partidos de extrema-direita, como o presidente Jair Bolsonaro no Brasil e o presidente Andrés Manuel López Obrador no México.

A nível nacional não posso deixar de referir a “reviravolta política” que representou os resultados alcançados pelo partido CHEGA nas últimas eleições legislativas. Numa análise comparativa com os resultados das eleições legislativas de 2019, em que o partido apenas elegeu um deputado, este passa a assegurar, agora, 50 deputados, atingindo os 18% nas últimas legislativas.

Para estes resultados, determinantes da afirmação do CHEGA, terá contribuído a personalidade de André Ventura, líder com enorme intuição política. Atribui-se, sobretudo, uma grande responsabilidade ao PS e ao PSD. Enquanto que o PS, em várias ocasiões, procurou dar palco ao CHEGA, talvez com o intuito de fragilizar a principal oposição (o PSD); o PSD, ao longo dos anos, deveria ter exercido contra o partido uma oposição melhor e mais eficaz. Há, acima de tudo e reiterando uma ideia já previamente desenvolvida, que separar o partido CHEGA dos seus eleitores que, na sua esmagadora maioria, não partilham dos ideais do CHEGA, encontrando-se apenas extremamente desiludidos e revoltados com a premente falha dos partidos políticos tradicionais. Vêm na figura de André Ventura alguém capaz de dizer verdades que pretendem ouvir e alimentando-lhes, deste modo, alguma esperança.