Protecionismo Americano

ARTIGOPOLÍTICAINTERNACIONAL

Francisco Novais e Tiago Leite

12/23/20245 min read

Começa aqui uma inovação no formato dos artigos da CPS. Para quem gosta de ver tópicos discutidos de diferentes perspetivas, apresentamos as “Linhas de Debate”, um Artigo onde visões distintas se encontram para desenvolver um determinado assunto.

Com a mudança de Presidência dos EUA, levantam-se não só questões políticas, mas também econômicas relativamente ao que Donald Trump poderá fazer com o rumo desta potência mundial e como isso impactará o mundo.

Para esta edição de "Linhas de Debate" decidimos discutir as políticas protecionistas econômicas americanas.


Bloco 1:

O principal argumento dado por Donald Trump para aumentar as barreiras à importação é a concorrência desleal, por parte de países como China e México, que reduzem preços através da desvalorização cambial. Assim sendo, conseguem entrar no mercado americano com preços inferiores aos da produção local, prejudicando assim a indústria nacional. Além da vantagem cambial, a China também beneficia de mão de obra mais barata e condições laborais bastante questionáveis, algo em que os americanos não pretendem competir.

Atualmente é impossível para muitas indústrias competirem com a China. Um bom exemplo disso é a indústria automóvel. Os EUA impuseram medidas protecionistas, no ano passado, para proteger a indústria local, que é crucial para o PIB americano. Apesar de ter demorado um pouco mais, a União Europeia já percebeu que a única solução possível é aumentar brutalmente as tarifas para veículos produzidos em território chinês (taxas a variar entre 17% e 35,3% dependendo da empresa).

Com o apoio do governo chinês, empresas como a BYD conseguem colocar no mercado automóveis elétricos com preços a começar nos 10.000€, algo que é impensável para as empresas europeias. Com esta gama de preços, conseguiriam facilmente alcançar uma cota de mercado que arrasaria por completo toda a indústria automóvel na UE e, possivelmente, poderia causar despedimentos em massa por parte dessas empresas.

Além do mais, o modelo protecionista chinês, permite que o Governo tenha controlo da produção, conseguindo assim competir com qualquer empresa americana e concorrer com condições mais favoráveis.

Mesmo que os EUA e a UE tentem incentivar o livre mercado a competir, nunca poderão impedir que o governo chinês intervenha diretamente no processo produtivo, daí que a única solução que lhe resta são medidas protecionistas para proteger as empresas locais.

Ao longo dos últimos anos, muitas das empresas dos EUA e UE deslocalizaram as suas produções para a China pela diferença enorme de custos, quando comparados com a produção local. Se no início dos anos 2000 as empresas chinesas eram vistas como de pouca confiança e apenas capazes de produzir com menor qualidade, hoje o cenário mudou completamente.

O investimento chinês em I&D praticamente triplicou nos últimos 10 anos (representando 2.65% do PIB). Esse investimento focalizou-se essencialmente na área tecnológica (Xiaomi, Huawei, Oppo, ZTE) e automóvel (SAIC, BYD, Geely). As empresas chinesas demonstraram que são capazes de produzir com qualidade e preços competitivos. Os consumidores europeus e americanos têm optado cada vez mais por produtos de empresas chinesas. Mas será que as empresas americanas e europeias não conseguem satisfazer por completo as necessidades das suas populações?

Grandes blocos como os EUA e UE conseguem ser autossustentáveis devido ao seu extenso território e número elevado de habitantes. Com melhor organização, através de políticas objetivas que ajudem a reduzir a taxa de desemprego (como tem sido feito), e trazendo de volta a atenção para a indústria nacional, como um todo, onde tanto se tem desinvestido nos últimos anos, conseguem reduzir a dependência do exterior.

Não é possível sobreviver a longo prazo apenas com o setor terciário, e importar produtos industrializados de países em desenvolvimento com custos menores (devido a condições precárias de trabalho), não pode constituir uma solução.

Bloco2:

Apesar de o protecionismo oferecer uma solução inicial, é essencial refletir sobre suas implicações no contexto de uma economia globalizada.

A sustentabilidade dos blocos não implica a subsistência dos mesmos. Um mundo globalizado e multicultural gera procura diversificada nas múltiplas indústrias existentes. A infinidade de produtos mercantis impossibilita uma nação industrialmente evoluída de produzir a correspondente necessidade de todos os cidadãos. Apesar de possivelmente gerar externalidades negativas a curto prazo, a longo prazo os efeitos diretos e indiretos justificam a não imposição de barreiras comerciais.

Focando nos efeitos indiretos, um país mais envolvido no comércio internacional diminui drasticamente a possibilidade de entrar em conflitos com outros países. Concretamente, os EUA, ao iniciar este processo de tarifas às importações, aliado às outras medidas anunciadas por Trump, envolvendo o financiamento da NATO, cria um ambiente de tensão internacional.

Além disso, o possível choque dos preços para os consumidores têm indicadores alarmantes no caso de uma política protecionista, podendo amplificar uma queda ou estagnação do produto interno bruto. Um país cuja tendência do PIB indica uma queda na classificação para segunda ou terceira potência mundial, deveria estar voltado para o aumento da competitividade de produtos nacionais e tirar proveito das eficiências globais nos demais produtos. Assim, garantiria maior bem-estar para os cidadãos tanto na posição de consumidores, como de trabalhadores.

Ampliando para o ponto de vista mais global, enquanto o fator trabalho tem um preço menor na China, o fator capital, devido à maior inclinação de investidores internacionais e tendencialmente menos risco, tem menor preço nos EUA. Afasta-se, assim, a possibilidade de competição entre produto um e descredibiliza-se a posição de Trump.

Começar uma guerra cambial a partir de medidas protecionistas dificultaria a governação estadunidense a nível interno, uma vez que, como já mencionado, causaria uma perda de bem-estar americano, algo que já se vem degradando desde a pandemia. A nível externo, justamente pela competitividade chinesa e seu modelo econômico, as consequências poderiam ser perigosas com tendências conflituosas. O livre mercado já provou ser suficientemente eficiente para os EUA, colocando-o numa posição econômica confortável em termos globais. Após a última crise inflacionária, o momento é de ajustar a robustez econômica e evitar manobras comerciais arriscadas.

Apesar da competitividade chinesa internacionalmente parecer desleal, ao focar-se em empresas estratégicas e não desperdiçar fundos em empresas não eficientes, tanto os EUA como a UE conseguiriam melhores resultados, ao invés de entrar numa guerra comercial. Investir em inovação nas empresas eficientes do ramo automobilístico, competindo por diferenciação, e investir em indústrias competitivas para aumentar sua exportação sem prejudicar o poder de compra nacional, geraria melhores resultados globais.

A primeira edição das “Linhas de Debate” demonstra como o protecionismo econômico é um tema complexo e polarizador, capaz de gerar argumentos sólidos tanto para o criticar como para o defender.

Enquanto por um lado se destaca a necessidade de proteger a indústria local e combater práticas desleais de comércio, também se pode refletir quanto aos custos acrescidos que estas políticas terão para os consumidores e como isso pode desencadear conflitos comerciais e políticos.

O principal problema é que, atualmente, muitas destas grandes decisões que impactam a vida de todos são tomadas com base em discursos populistas, para ganhar votos em eleições e incentivar uma perpetuação no poder, ignorando implicações a longo prazo (que já não serão vistas como sua responsabilidade).

Mais do que escolher um lado, o fundamental é refletir sobre as consequências de cada uma das visões e tomar uma decisão ponderada, tentando encontrar a melhor solução, em que, possivelmente, coexistam ideias de ambas as partes. A grande questão é: como equilibrar a necessidade de proteger as indústrias locais e o bem-estar dos consumidores que dependem de produtos acessíveis?

Este é um tema que ainda está longe de se esgotar e pode dar pano para mangas, mas é com debates sérios e construtivos que podemos chegar a bom porto na sua defesa.