SEF: O Carrossel que Chega ao Fim
Tudo sobre a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. As polémicas e, por fim, o derradeiro enterro.
ARTIGOPOLÍTICA
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – ou SEF, como é mais frequentemente designado – está a poucos momentos do seu fim. Depois de 36 anos, 10 meses e 4 dias, esta entidade que operou sob a alçada da Administração Interna vai ser, por fim, desmantelada.
A 29 de outubro, será consumada a extinção do serviço e há questões que, neste momento, pairam na mente de muitos. Não se sabe exatamente o que vai acontecer amanhã, nem se esta decisão foi a mais acertada.
Antes de mais, para entender o que, na prática, vai realmente mudar, é importante saber quais são as funções desempenhadas pelo SEF, qual é o seu modo de atuação e de que forma as funções serão asseguradas após a extinção.
Depois, poderemos perguntar-nos: era realmente imperativo a decisão ser radical ao ponto de extinguir uma entidade? Lembremo-nos que o SEF não tem sido alheio a polémicas, e nós abordaremos o caso de Ihor Homeniuk que despoletou a decisão da sua extinção. Mas entre essas polémicas conta-se, ainda, a sucessão de eventos, que abordaremos com mais detalhe ao longo do artigo, em que o ex-ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita “condena” a instituição à extinção e, depois, curiosamente, a galardoa com a Medalha de Serviços Distintos.
Podemos, então, dividir o SEF em duas grandes funções: o órgão de polícia criminal e a vertente administrativa.
Enquanto órgão de polícia criminal, o SEF realiza as ações determinadas e os atos delegados pela autoridade judiciária competente. A definição legal oferecida pelo artigo 1.º alínea c) do Código do Processo Penal (CPP) diz-nos que órgãos de polícia criminal são todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo CPP. A autoridade judiciária, por sua vez, inclui o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público – artigo 1.º, alínea b) do CPP.
A vertente administrativa, que é constituída por 35% dos funcionários do SEF, trata de todas as questões burocráticas, nomeadamente, a recolha e processamento de dados e emissão de documentos de imigrantes, como títulos de viagem para refugiados, a quem também presta apoio.
Como referido anteriormente, o nome do SEF ficou associado a diversos confrontos com a lei, como o caso de Ihor Homeniuk. Contudo, é necessário relembrar que, sendo as áreas de atuação tão distintas, uma mudança na vertente policial não implica a alteração da atuação administrativa (e vice-versa).
Porém, o problema adensa-se se relembrarmos o caso dos Vistos Gold, que envolveu também a vertente do SEF responsável pela documentação.
A famosa Operação Labirinto, ou, como é mais vulgarmente conhecida, o caso dos Vistos Gold, foi outra grande polémica, que envolveu o SEF há pouco menos de 10 anos.
Esta investigação consistiu numa chuva de acusações, contando com crimes de corrupção, branqueamento de capitais, abuso de poder, tráfico de influência, peculato e prevaricação. Foram constituídos arguidos 21 sujeitos, estando entre estes Miguel Macedo (ex-ministro da Administração Interna), Manuel Palos (ex-diretor do SEF) e António Figueiredo (ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado, IRN).
De forma bastante sumária, os investigadores descortinaram uma rede de atribuição ilícita de Vistos Gold destinados à obtenção de benefícios nos setores da saúde e empresariais. Entre os recetores destas “ofertas”, conta-se com os cidadãos sírios e líbios que visavam, através dos Vistos Gold, obter acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Além disso, vários indivíduos de nacionalidade chinesa usufruíram de benefícios no setor imobiliário, através desta documentação.
Esta grande operação ficou curiosamente marcada pela absolvição da maioria dos arguidos. Miguel Macedo, acusado de três crimes de prevaricação e de tráfico de influência, Manuel Palos acusado de um crime de corrupção passiva e dois de prevaricação, ambos absolvidos. Com muito pesar nosso, António Figueiredo foi acusado de doze crimes, tendo sido condenado a cumprir pena por três destes (quatro anos e sete meses… de pena suspensa).
Contudo, esta não é a primeira polémica que nos surge na mente quando é mencionado o SEF. Não há dúvida de que a decisão de extinção desta entidade está diretamente associada ao caso, sem precedentes, da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa.
A 12 de março de 2020, Ihor Homeniuk, um cidadão ucraniano de 40 anos, foi agredido por inspetores do SEF durante um período alargado. As agressões culminaram, posteriormente, na sua morte. Este evento foi fortemente noticiado, pelo que foi uma questão de tempo até que todos os pormenores e detalhes que circundavam o assunto chegassem ao conhecimento geral. Ihor esteve retido em condições mais do que desumanas, sendo a palavra “tortura” possivelmente uma boa descrição daquilo que foram os seus últimos momentos.
A gravidade e a seriedade das consequências dos atos dos inspetores do SEF envolvidos permitem-nos presumir a verificação duma normalização da violência, observada na obscenidade dos factos descritos e das agressões cometidas. Esta banalização ficou ainda mais vincada pela cumplicidade que mais agentes do SEF demonstraram, na medida em que, tendo conhecimento do estado do cidadão ucraniano, tomaram a posição e decisão ativas de omissão de socorro.
A normalização da violência reflete-se, também, na resposta frívola e indiferente – numa troca de palavras à qual houve acesso público – oferecida pelos inspetores, quando questionados por um colega sobre o estado de Ihor – “ficara tudo bem”.
Toda a situação é agravada quando se descortina o motivo pelo qual Ihor foi primeiramente abordado pelos funcionários do SEF. Oque levou os inspetores a agredir a vítima foi a sua aparente agitação e o receio de que este causasse distúrbios com outros passageiros.
Todos os pormenores descritos evidenciam um problema de comportamento dos profissionais. Os inspetores diretamente envolvidos mostram sentir-se alheios à lei, revelando que, dentro das suas instalações, são eles que têm uma espécie de autoridade absoluta e total liberdade de ação.
Há também uma naturalidade em relação à agressão que indicia um historial pré-existente de atos similares naquele contexto. Isso explicaria também o facto de não haver sequer uma pessoa que demonstre preocupação pelo cidadão ucraniano, apesar da longa janela de oportunidade para tal ter acontecido: durante 10 horas, Ihor Homeniuk esteve no chão com dificuldades em respirar devido às lesões causadas pela agressão.
Assim sendo, o caso demonstra que é, sem dúvida, necessário agir em relação ao sentimento de impunidade e à falta de controlo na organização.
Aqui talvez esteja uma das grandes justificações plausíveis para a extinção. O espírito de um perverso companheirismo criado entre os inspetores do SEF demonstra que eles priorizavam a sua impunibilidade em relação ao apoio àqueles a quem tinham de prestar serviços. Com a sua distribuição por sete entidades diferentes, perde-se esta proximidade, principalmente porque, agora, os inspetores estarão sujeitos a chefias com uma rigidez diferente, acabando com a “irmandade” já cristalizada no SEF.
Outros incidentes reforçam o excesso de liberdade dos inspetores e o seu comportamento desviante da lei. Numa notícia de dezembro de 2021, a CNN Portugal cita um advogado especialista em imigrações, Jaime Roriz, que afirma que “uma vez por semana” tem “um imigrante a queixar-se das autoridades”, queixas essas sobre vários tipos de maus-tratos, desde o desrespeito às agressões.
Houve, como se sabe, um enorme mediatismo a acompanhar o caso de Ihor. Isso é explicável pelo facto de Portugal não ser, de todo, um país violento, sendo cotado, inclusivamente, ano após ano, entre os 10 países mais pacíficos do mundo segundo o Índice Global da Paz do Instituto para a Economia e Paz. Ficou, até, em 3.º lugar na lista em 2017 e 2019, apenas atrás da Islândia e da Nova Zelândia.
O léxico popular reforça também esta ideia: Portugal como um país de “brandos costumes” é uma perspetiva sobre a qual parece haver consenso.
Pode-se concluir, então, que o grau de exposição que o caso teve demonstra a dimensão do choque que causou no país e as expectativas elevadas dos portugueses em relação à integridade das autoridades.
Talvez por isso o Governo tenha respondido com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E, de facto, o caráter radical desta solução vinca a posição do PS em relação ao sucedido e deixa, nos cidadãos, uma ideia de renovação. Assim, e não esquecendo a incongruência com a execução que está a ser levada a cabo de que falaremos mais adiante, parecem ter sido motivos, acima de tudo, políticos – de imagem do Governo – que levaram a esta decisão.
Seja como for, agora, em 2023, o plano é a extinção e a distribuição das funções, bem como dos funcionários, por diversas entidades.
O programa de Governo de 2019 já incluía a reestruturação do SEF, mas o assunto tinha ficado adormecido até a extinção ser proposta na sequência do caso de Homeniuk. Após um vaivém sobre quem poderia tomar essa decisão – se o Governo sozinho, se pela aprovação da Assembleia da República – a decisão avançou em outubro de 2021, com o apoio do Bloco de Esquerda, que deu como condição a criação de uma agência autónoma em relação à Administração Interna – cuja alçada é a segurança – destinada a gerir migrações e asilo.
O SEF vai-se agora desintegrar e espalhar o seu reporte por mais do que uma autoridade sob a qual irá trabalhar, contrariando aquela que vinha a ser a sua evolução ao longo dos anos.
Na ditadura do Estado Novo, a polícia política (a PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado – e, depois, a PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado) e, mais tarde, a Direção Geral de Segurança eram quem controlava as fronteiras do nosso país. Contudo, com a revolução do 25 de abril de 1974 e a queda do regime, essas autoridades foram abolidas.
A extinção da Direção Geral de Segurança levou à necessidade de atribuir as funções que executava a outros organismos: a Guarda Fiscal ficou encarregada de vigiar e fiscalizar as fronteiras, a Polícia Judiciária (PJ) encarregada de toda a investigação criminal e as Forças Armadas com a custódia da documentação dos cidadãos estrangeiros.
Ou seja, a história do controlo de fronteiras no Portugal democrático iniciou-se com funções dispersas por diferentes entidades.
Em novembro ainda de 1974, apesar de toda a instabilidade política, foi criada a Direção do Serviço de Estrangeiros (DSE) sob a direção do então Comando Geral da Polícia de Segurança Pública (PSP). As funções outrora da PJ, Forças Armadas, bem como parte das atividades da Guarda Fiscal neste âmbito, foram-lhe atribuídas. Começou assim, a tendência para integrar funções num pequeno número de órgãos.
Quase dois anos mais tarde, em junho de 1976, a DSE foi rebatizada de Serviços de Estrangeiros (SE) e ganhou autonomia, dependendo apenas do Ministério da Administração Interna. O SE era composto por polícias da PSP, militares do exército, pessoal da Guarda Fiscal e civis que foram contratados.
Depois, a 31 de dezembro de 1986, ano em que Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia (CEE), num despacho assinado pelo então ministro da Administração Interna Eurico de Melo, o SE passou a SEF e a estrutura hierárquico-funcional deixou de ser suportada por um quadro de agentes pertencentes à PSP. Significa isto que, a partir desse momento, a entidade pôde autonomamente contratar, profissionalizar e especializar as suas forças e estabilizar os quadros, sobretudo no que diz respeito ao pessoal de investigação e fiscalização.
De acordo com o despacho, houve necessidade de se executar esta alteração já que o SE não era eficaz no cumprimento das suas funções devido ao facto de estar dependente da PSP. Ou seja, foi a autonomização da entidade que lhe permitiu tornar-se eficaz.
A partir daí, o SEF voltou a ter alterações substanciais nas suas funções apenas com a entrada de Portugal para o Espaço Schengen.
Mais de três décadas depois, a 22 de outubro de 2021, foi aprovada na Assembleia da República a extinção do SEF. Agora, pretende-se fazer o caminho inverso daquele que foi feito para chegar até aqui, como se a experiência passada tivesse de ser repetida para se aferir novamente a sua validade.
Mas antes de chegarmos ao ponto em que estamos hoje, de iminência da sua consumação, esta extinção já foi adiada por duas vezes.
O primeiro adiamento foi proposto pelo PS logo no final de novembro de 2021 e justificado com a pandemia de covid-19, nas palavras do ministro Eduardo Cabrita, um “momento difícil” em que as fronteiras eram “uma das questões essenciais”, havendo necessidade de, no curto prazo, o controlo ser reforçado.
Da segunda vez, em abril de 2022, o novo ministro da Administração Interna José Luís Carneiro anunciou um adiamento até estar em funcionamento a nova agência para as migrações e asilo.
Já em maio deste ano, o mesmo ministro confirmou que o SEF seria extinto em outubro; acrescentou, ainda, que a extinção não seria repentina, assegurando, assim, a existência de um período de transição.
O plano de reestruturação consiste na realocação dos funcionários do SEF e na redistribuição das competências desempenhadas. Os funcionários serão distribuídos por 7 entidades.
A PJ receberá cerca de 600 inspetores do SEF. Porém, até 2025, a grande maioria ficará provisoriamente distribuída pela PSP, Guarda Nacional Republicana (GNR), Sistema de Segurança Interna (SSI) e a Autoridade Tributária (AT). Esta integração dos inspetores do SEF na PJ vai ao encontro de uma promessa feita pelo Governo ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária que tinha manifestado o seu descontentamento com a falta de recursos humanos.
Parece conveniente o Governo tomar esta decisão, diríamos até que se juntou o útil ao agradável. Na verdade, a falta de funcionários na PJ pareceu facilmente resolvida com a inundação de funcionários do SEF desalojados. Este “realojamento” combina com uma tão necessária mudança de imagem do SEF e a necessidade de colmatar uma falha de recursos humanos na PJ.
Os agentes alocados à PSP irão exercer as funções nos aeroportos, a acrescentar à já existente competência desta entidade na segurança na aviação civil. A PSP passará a ser também responsável pelo controlo da fronteira aérea. Já está a decorrer o período de transição, estando os inspetores do SEF já a fazer o controlo da fronteira juntamente com agentes da PSP.
Paralelamente à PSP, a GNR estará presente nas fronteiras marítimas e terrestres e ficará responsável pelos processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros.
Cerca de 100 inspetores serão colocados no SSI, numa nova unidade: Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE). Ficarão encarregados de gerir e alimentar as bases de dados do SEF (policiais e de cooperação internacional) e partilhar informação com outras entidades.
Haverá, ainda, um conjunto de inspetores de cargos hierarquicamente mais elevados a incorporar a AT. Esta distribuição provisória tem como intuito evitar que o número de inspetores coordenadores superiores a ser integrados na PJ (26) seja significativamente superior ao número atual (6), o que causaria problemas de coordenação.
Relativamente à vertente administrativa, o IRN irá receber os trabalhadores das carreiras gerais e de informática e caber-lhe-á renovar as autorizações de residência.
Mas a maior parte dos funcionários do SEF da área da documentação será alocada à AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo –, estando eles encarregados de regularizar a entrada e a permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional. Esta nova agência juntará os funcionários administrativos do SEF aos funcionários do Alto Comissariado das Migrações, numa fusão que extingue também essa entidade.
Contudo, note-se que a situação parece ser mais teórica do que prática. Isto porque, a 21 de outubro de 2023 – 8 dias antes da extinção –, os estatutos da agência ainda não estariam publicados, o que significa que ainda não se saberia onde será a sede, qual será a estrutura orgânica ou as funções que cada funcionário desempenhará.
Assim, o plano de reestruturação tem pontos fortes e pontos fracos. Não nos esqueçamos, primeiramente, que serão razões logísticas a justificar a alocação de funcionários do SEF à AT, cujo âmbito difere muito daquele da instituição de origem destes profissionais.
Em segundo lugar, o período de transição anunciado pelo ministro parece mover-se a duas velocidades diferentes. Por um lado, num dos dois cernes desta transição – a AIMA – a preparação é escassa (ou, podemos dizer, até, quase nula, aos olhos dos cidadãos); por outro lado, há avanço na integração de profissionais da PSP nas funções até agora desempenhadas pelo SEF.
Por que razão observamos esta assimetria entre entidades? Uma possível razão pode ser o facto de a PSP já ser uma entidade instituída e presente na fronteira, enquanto a AIMA está a ser criada de raiz. No entanto, um projeto iniciado há dois anos não poderá justificar a sua ausência de preparação com escassez de tempo, principalmente depois da extinção ter sido adiada por duas vezes.
Além disso, há, também do lado da PSP, uma questão a que parece faltar sentido. Se, por um lado, compreendemos que a extinção seja justificada para afastar os agentes do SEF e diminuir o seu sentimento de impunidade e proteção, por outro lado, não podemos deixar de sublinhar a incongruência de encarregar os ex-inspetores do SEF de formar os novos inspetores. Acreditamos que será extremamente improvável que estes não passem as suas práticas e a mentalidades vigentes para os novos inspetores, algo que devia ser evitado ao máximo, quando um dos objetivos da extinção do SEF é romper com essas práticas.
Isto é agravado pelo facto de estar planeado que, inicialmente, haverá inspetores do SEF a trabalhar nos mesmos postos anteriores à extinção, nomeadamente integrados na PSP e na GNR e também nas investigações, neste caso juntamente com a PJ. Este é mais um indicador de que pode haver perpetuação de práticas.
Ao mesmo tempo, urge outra reflexão. Será que o sentimento de impunidade é um problema que se gerou excecionalmente no SEF? Pode ser que sim. Mas pode também ser que não e que haja uma tendência geral nas forças policiais para a existência de comportamentos deste tipo (ainda que com variabilidade na gravidade das consequências) quando proporcionadas as condições físicas de liberdade e controlo, como, no caso do SEF, salas sem videovigilância.
A suportar este ponto de vista está o caso, relativamente recente, dos sete militares da GNR que utilizavam a sua autoridade para maltratar arbitrariamente imigrantes asiáticos em Odemira. Além disso, o advogado Jaime Roriz, referido no início do artigo, menciona que as agressões policiais sofridas por imigrantes em Portugal não ocorrem apenas com o SEF. O advogado dá nota da fragilidade destas pessoas pelo contexto em que se encontram (mais uma vez, encontramos aqui uma questão de problema de comportamento da parte dos agressores).
Por fim, a juntar à abundância de incongruências presentes neste caso, não podemos deixar de referir um último episódio, talvez a última polémica do SEF enquanto SEF. Parece que nem na iminência da extinção, o SEF se livra de polémicas. Dois meses após o anúncio da dissolução, o ministro que tomou essa decisão, Eduardo Cabrita, atribuiu à instituição a “Medalha de Serviços Distintos de Segurança Pública, Grau Ouro”. O agora ex-ministro justificou a sua decisão como uma apreciação dos “serviços prestados durante a pandemia”. Eduardo Cabrita realçou, ainda, o profissionalismo, a disciplina, a competência, a dedicação e permanente disponibilidade dos funcionários do SEF.
Esta sequência de elogios é no mínimo irónica, já que se sucederam apenas dois meses desde a decisão de extinção. Se a competência e os serviços prestados eram tão dignos de reconhecimento e de honra, qual será a possível justificação para a extinção do SEF aos olhos do ex-ministro? Uma pergunta que fica por responder até hoje.
O vice-presidente do PSD apelidou este episódio, no Facebook, de “absolutamente ridículo” e "insano" e nós não podemos deixar de lhe admirar a coragem no comentário.
Voltemos, agora, às nossas duas questões iniciais.
Primeiro, o que vai realmente mudar? O que acontecerá, na prática e em poucas palavras, é que deixaremos de ter um serviço de segurança especializado em imigrantes. Essa segurança ficará dispersa por outras entidades e a vertente administrativa do controlo das fronteiras ficará a cargo de uma nova agência meramente administrativa.
Segundo, a extinção foi uma boa opção do Governo? Apesar de tudo, está claro que as polémicas em que o SEF se viu envolvido ao longo dos anos não invalidam o trabalho e impacto positivo gerado no desempenho do papel importante que tem no país. Daí a questão que se coloca: a extinção foi a melhor escolha?
Não há dúvida de que é preciso garantir que deixemos de ser periodicamente confrontados com crimes da autoria dos inspetores do SEF. Mas será a extinção desta organização a forma de atingir essa garantia? Ou haverá outro modo mais eficaz de melhorar o serviço? Ou será a extinção necessária, mas não suficiente, pelo menos nestes moldes?
De facto, não se pode dizer que foi a melhor decisão, por dois motivos. O SEF tem funções muito importantes e distribuir essas funções por 7 organismos diferentes transmite uma ideia de menosprezo por essa sua relevância. Além disso, a comunicação, essencial para a celeridade dos serviços e para a minimização dos erros, fica dificultada pelo afastamento entre as diferentes competências. Assim, a melhor decisão seria uma reestruturação interna que não conferisse tanta liberdade a inspetores.
Vendo de uma outra perspetiva, é compreensível a motivação política: depois de tantos escândalos, é difícil prosseguir sem dar um sinal forte de que este é um assunto de grande relevância para o Governo e uma extinção transmite mais eficazmente a ideia de mudança do que uma mera reestruturação.
Porém, a realidade é que, do modo como está a ser concretizada, a extinção parece ser contraditória com os seus objetivos, nomeadamente no aspeto da formação – fornecida pelos inspetores do SEF – e na alocação desses inspetores à PJ e (durante os dois primeiros anos) às fronteiras, cumprindo funções que se mantêm as mesmas que eram desempenhadas no SEF.
Todo este problema é, como se pôde ver, bastante complexo: envolve muitos funcionários, envolve o equilíbrio entre duas preocupações distintas do país – a segurança e a inclusão – e, por fim, envolve, ainda, outras vertentes – como o comportamento humano e a gestão da integração de um grande número de profissionais em novas entidades ou funções.
Podem-se tecer muitas críticas ao SEF e à atuação do Governo, mas a verdade é que não há respostas óbvias para os problemas desta entidade. Uma coisa é certa, porém: a partir de dia 29 de outubro, não se falará mais do SEF. Agora, é esperar para ver que resultados surgem.
Este artigo representa única e exclusivamente a opinião dos seus autores, não representando no todo ou em parte a opinião da Católica Policy Society.