Tricky Dick e meio século de Watergate

ARTIGOPOLÍTICA

Miguel Ângelo

11/3/20245 min read

Richard Milhouse Nixon, pai do maior escândalo político produzido nos Estados Unidos da América, responsável pela reinvenção das campanhas eleitorais e dono de uma mente brilhante aterrorizada de ser só mais uma. O resultado? Um nome manchado por Watergate, ou uma figura política respeitável?

Carregava com orgulho o seu crescimento em condições de pobreza, e olhava com desdém os afortunados que nasciam em melhores berços, os judeus de Nova Iorque e os Kennedy que via como inimigos. No entanto, desde cedo abraçou a sua paixão pela política e pelos livros, participando em debates sobre a energia e sendo presidente de turma. No correr dos anos 20, Nixon viria a perder dois irmãos ainda em tenra idade, não deixando de ser um aluno de mérito, chegando a receber convites de Harvard. Por outro lado, vindo de uma família de poucos meios, foi forçado a relegar-se numa pequena faculdade local. Viria a licenciar-se, anos mais tarde, pela universidade de Duke, com uma das melhores médias da Carolina do Norte.

Não tendo o sucesso esperado na advocacia, Nixon alista-se na marinha, servindo no oceano Pacífico durante a 2ª Guerra Mundial. Quando regressa aos Estados Unidos, é convidado pelo partido Republicano a tentar destronar o democrata Jerry Voorhis na Califórnia, e é aí que nasce o animal político dentro do futuro presidente.

Sabendo que seria difícil vencer a eleição, Nixon opta por um método de campanha inovador: ao invés de mostrar aos eleitores porque é que as suas ideias seriam melhores do que as do seu adversário, opta por criticar avidamente Voorhis, chegando a alegar ligações do seu oponente aos ideais comunistas, bem como à URSS, ultimamente vencendo a eleição. Foi assim criado o método de campanha que hoje vemos em muitas eleições, tal como nas presidenciais de 2024 dos Estados Unidos. Nixon viria a recorrer a essa estratégia em todas as suas campanhas eleitorais, sendo intitulado de Tricky Dick quando se candidatou ao Senado em 1950.

19 anos mais tarde, subira ao cargo de “líder do mundo livre”, atuando como 37º presidente dos EUA. Embora seja conhecido pelo escândalo que celebra os seus 50 anos, Nixon foi responsável por bastantes contribuições positivas para o seu país e para o resto do mundo: introduziu a proibição da segregação racial e sexual nas escolas, aprovando o Title IX em 1972. Criou a “Environmental Protection Agency” e aprova o “Clean Air Act”, tema que sempre o apaixonou. Foi também pioneiro nas relações internacionais, em especial com a China, criando laços importantes, tendo desta forma uma carta na manga contra a URSS.

No ano de 1971, a revista TIME publicou documentos ultraconfidenciais relativos ao planeamento de guerra no Vietname, obrigando o sistema de Governo Americano a reapreciar os seus sistemas de seguranças quanto a fugas de informação. Dessa forma, a mando do presidente foi criada uma equipa secreta denominada de “White House Plumbers”, tendo um objetivo muito claro: impedir a divulgação de informações secretas por quaisquer meios necessários, tais como espionagem, sabotagem e destruição de documentos se necessário. Claro está que respondiam perante o Presidente, que em 1972 se encontrava em campanha eleitoral, e a 17 de junho desse ano infiltraram-se na sede democrata visando colocar escutas nos rivais de campanha do Presidente, sendo que (tanto quanto se sabe) o fizeram sem qualquer ordem superior. No entanto, enquanto tentavam instalar sistemas de espionagem tiveram o secretismo comprometido ao serem vistos por um segurança. Estas ações forçaram o FBI a abrir uma investigação contra esta equipa.

Concomitantemente, formava-se outra associação, entre os Plumbers e a equipa da campanha eleitoral de Nixon: o Comité de reeleição do Presidente, ou na sua abreviatura formal “CREEP”. Este comité era a personificação de “Tricky Dick”. Este comité, à semelhança de Nixon, não olharia a meios para alcançar a re-eleição, recorrendo a métodos ilegais, se necessário, para o fazer. Talvez a sigla “CREEP” tenha, dessa forma, mais do que um sentido: não só tem as iniciais do seu objetivo como é algo repudiável.

Embora Nixon não tivesse dado a ordem para a infiltração na sede democrata, mentiu sobre o que havia realmente acontecido, não querendo causar um escândalo. Esta mentira prolongou-se durante anos, ordenando com frequência que a CIA interferisse na investigação levada a cabo pelo FBI. O Presidente, num gesto de desespero ao sentir que seria descoberta a verdadeira causa do “massacre de sábado à noite”, instruiu a demissão do procurador especial responsável pelo caso Watergate, Archibald Cox.

Para suceder nesta demissão ordenou ao procurador-geral Elliot Richardson que o afastasse, no entanto, em protesto, este renuncia o cargo. Dado a atenção mediática e a imoralidade da ação, recorreu de novo ao afastamento do substituto direto de Richardson, para que o terceiro na hierarquia levasse a cabo a demissão. Esta sequência de acontecimentos viria a ter um grande impacto na carreira política do Presidente, e com a opinião pública em desconfiança, foi obrigado a nomear um novo procurador especial, Leon Jaworski.

Pouco antes do encerramento do caso, a 5 de agosto de 1974, vieram a público as principais provas que Nixon tivera, de facto, ordenado a CIA a obstruir a investigação. No fim, ainda que Nixon não tivesse sido responsável pelos crimes levado a cabo pelos White House Plumbers, a realidade é que tentou “atirar tudo para debaixo do tapete” e afirmar várias vezes a sua inocência. Com esta revelação, o Congresso iniciou o processo de “Impeachment” para remover Nixon, e a probabilidade é que haveria votos suficientes para tal, mas a 8 de agosto desse ano, Nixon demitiu-se, evitando a vergonha de ser o único Presidente em funções a perder o cargo para um processo de “Impeachment”.

Exatamente um mês depois, Gerald Ford, antigo vice-presidente, emite um perdão presidencial visando terminar a fase conturbada que o país passava. Dessa forma, Nixon era um homem livre e nunca mais poderia ser julgado por qualquer crime que pudesse ter cometido enquanto em efetividade de funções do cargo. Sendo ilibado de qualquer ato criminal, viria a ser consultado múltiplas vezes nos seguintes anos por Presidentes como Ronald Reagan, Jimmy Carter e George H. W. Bush, principalmente no que toca às relações externas, área onde Nixon tinha tido sucesso.

Creio que, após este escândalo, Nixon, que se considerou sempre alguém desprivilegiado e que olhava com desdém para que nascia em condições melhores, se tornou exatamente no homem que antes desprezava: alguém que por ser privilegiado e respeitado se evadiu à justiça.

No fim de contas, Watergate nunca deu paz a Nixon, mesmo até aos dias de hoje, e talvez com alguma razão. Talvez aquele que se tenha evadido a tribunais judiciais seja sempre forçado a ser julgado no tribunal da opinião pública. Embora não me oponha a esse julgamento de valor, creio que, Nixon como tantas outras pessoas estarão condenados, não a prisão, mas a serem julgados para a eternidade. A pergunta é: Não estaremos a ser parciais? A história será sempre contada por quem venceu, e isso nunca mudará, mas talvez nos caiba a nós olharmos para trás com outra perspetiva.